Adro do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Ponta Delgada|13 de maio de 2023 [PDF]

«Jovem, Eu te ordeno: levanta-te»

Uma espiritualidade enraizada no Senhor Santo Cristo dos Milagres

“Jovem, Eu te ordeno: levanta-te”! No Evangelho escutado há um grito de vida que se sobrepõe ao desespero e lágrimas pela morte prematura de um jovem. Jesus Cristo aparece em cena e não deixa dúvidas: perante a morte do filho único de sua mãe, já viúva e socialmente desprotegida, manda parar o cortejo de morte e inverte-lhe a rota. Com a sua compaixão apaga o sofrimento da mãe e com o seu poder derrota a morte com a Vida que só Ele é e pode dar. Jesus não os deixa habituar à escuridão, ilumina-os. Ele, que sabe o que é o sofrimento e a morte, trá-los à Vida. Ele mostrou o poder criativo de Deus para tirar esperança do desespero e vida da morte. todos davam glória a Deus, dizendo: «Apareceu no meio de nós um grande profeta; Deus visitou o seu povo».

Também este grande profeta, Jesus Cristo, vem até ao nosso cortejo. Não precisaremos também nós desta criatividade de Deus e de dar uma reviravolta à vida? Ele convoca-nos e, em Seu nome, eu saúdo todos vós que sois, como eu, peregrinos do Senhor Santo Cristo dos Milagres: O Sr. Reitor do santuário e os sacerdotes, todas as autoridades, a Irmandade, os religiosos e religiosas, leigos, consagrados e todos os nossos açorianos da diáspora. Em especial os doentes e todos os que sofrem.

O nosso Santuário, este ano, escolheu precisamente o tema “Jovem, Eu te ordeno: levanta-te. Pensa nos jovens e na Jornada Mundial da Juventude, um acontecimento que é para toda a Igreja. O verbo levantar-se significa também «ressuscitar», «despertar para a vida». «Levanta-te» dirigido aos jovens pode querer dizer: «sonha», «arrisca», «esforça-te por mudar o mundo», “reacende os teus bons desejos, contempla o céu, as estrelas, o mundo ao teu redor, levanta-te e torna-te aquilo que és, ressuscita com Cristo que te ama”. O Papa perguntava aos jovens: “Queridos jovens, quais são as vossas paixões e os vossos sonhos? Fazei-os sobressair e, através deles, proponde ao mundo, à Igreja, a outros jovens, algo de belo no campo espiritual, artístico e social. Deixai que vo-lo repita – fazei-vos ouvir! Cristo precisa de vós».

O jovem morto de que falava o Evangelho levantou-se e viu Cristo “vivo” que “é a maior alegria espiritual, uma explosão de luz que não pode deixar ninguém «parado». Imediatamente se pôs em movimento impelido a levar aos outros esta notícia, a testemunhar a alegria deste encontro. É aquilo que anima a pressa dos primeiros discípulos nos dias que se seguiram à ressurreição como conta S. Mateus: «afastando-se apressadamente do sepulcro, cheias de temor e grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos» (Mt 28, 8). Ou também a pressa de Maria que, após a Anunciação, não ficou extasiada com a obra de Deus em si, mas levantou-se apressadamente para ir ajudar a prima Isabel… Na Igreja há sempre “pressa no ar”. Dizia há dias o Papa: “Espero e creio fortemente que a experiência que muitos de vós ireis viver em Lisboano mês de agosto, representará um novo começo para vós jovens e, convosco, para toda a humanidade”.

Não pode desejar mais!!! Faço-o também meu e trago-o como pedido humilde ao Senhor Santo Cristo e a todos vós para que o façais vosso na oração e no apoio à juventude. Precisamos de um olhar jovem e católico sobre a Igreja e o mundo que nos obriguem à renovação de métodos e estilos. Precisamos de jovens com um olhar mais evangélico sobre os caminhos do diálogo e da paz; de jovens que tenham a fraternidade universal como bandeira; de jovens que vejam em Cristo um parceiro fiável a quem vale a pena seguir; jovens que nos façam também sentir jovens, capazes de mudança. Todos precisamos de vós, caros jovens. Ainda esta semana celebrámos em campos adversários o dia da Europa, colocando a ideia do bloco soviético de um lado e o Ocidente do outro, algo que pensávamos enterrado. Há uma guerra que ensombra este velho continente, onde as crianças já não sabiam sequer o significado da palavra “guerra”! Rezemos para que a maior concentração de jovens no pós-pandemia, em Lisboa, traga de facto uma esperança renovada ao mundo. “Espero-vos em Lisboa” dizia quarta-feira o Papa… Eu também!

Meus irmãos, estamos aqui como peregrinos, de coração aberto, sem reservas diante deste amor louco de Deus por nós tão bem espelhado na imagem do Senhor Santo Cristo, um amor de sempre. Diz o texto do Evangelho: “Jesus viu a mulher, compadeceu-Se dela e disse-lhe: «Não chores». É comovente! Jesus viu e cuidou. Jesus vê-nos chegar, rezar e ficar em silêncio a ver, porventura, o filme da própria vida, diante da vida Dele. Deixemo-nos olhar. “A salvação está no olhar” dizia Simone Weil. Os nossos olhos cruzam-se instintivamente com os dele e descobrem um olhar doído num rosto torturado pelos espinhos, desfigurado pelas próprias gotas de sangue derramadas por nós, derramadas por mim e pelos meus pecados!!! Esta visão seca-nos as palavras e, quem sabe, inspiram um murmúrio: “porquê, meu Senhor?”. Porquê, Tu e todos nós, temos de enfrentar experiências pessoais dolorosas e acompanhar cortejos de morte? Como descortinar a Tua glória, a glória prometida, escondida por detrás desses sinais de fragilidade tão realçados na imagem? O facto do “Verbo”, que é Deus, ter assumido a “carne” humana significa que não foge à fragilidade, mas faz dela o início de uma nova história. É a lei paradoxal do amor: o infinito faz-se finito, o omnipotente faz-se fraco, o inalcançável deixa-se tocar no corpo. Dá-se o prodígio que caracteriza a dinâmica sacramental: o particular torna-se universal; o relativo necessário; o finito infinito; o humano divino. No silêncio talvez Ele nos segrede: “Eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6, 38). E a vontade do Pai é que eu não perca nenhum dos que me confiou”. Fomos-Lhe confiados! Vamos seguros pelo mesmo caminho. Apetece-me dizer-Lhe: Obrigado, Senhor, mas também: “levanta-te” e, em ti, levantem-se todos os Ecce Homo da humanidade! Ele é o emblema da humanidade humilhada e ofendida e não podemos curvar-nos diante do nosso Senhor Santo Cristo se não estivermos dispostos a curvar-nos perante as suas feridas abertas e a sangrar nos corpos e espíritos dos nossos irmãos e irmãs de todas as línguas, povos, nações, raças, classes sociais, níveis culturais, opções políticas, orientações sexuais e crenças religiosas.

Meditando sobre o Ecce Homo, o filósofo Blaise Pascal escreveu estas palavras: «Cristo está em agonia até ao fim do mundo: não podemos dormir durante este tempo». Jesus está em agonia até ao fim do mundo em cada homem ou mulher submetidos aos mesmos tormentos que Ele. “A mim o fizestes!” dirá, um dia, Jesus no juízo final (Mt 25, 40). Fala-se frequentemente das feridas sociais, coletivas: a fome, a pobreza, a injustiça, a exploração dos mais fracos – embora nunca o suficiente –, mas corre-se o risco de se tornarem abstrações. Categorias, não pessoas. Pensemos antes nos sofrimentos dos indivíduos, das pessoas com um nome e uma identidade precisos. Quantos “Ecce homo” no mundo e à nossa beira! Meu Deus, quantos “Ecce homo” como Jesus no pretório de Pilatos à mercê de todo o tipo de crueldade física e psicológica. Quantas violências, até domésticas! “Não se pode dormir, não se podem deixar sozinhos!”. Alguém tem que gritar: “Levantem-se”!

“Eis o homem” leva ainda a pensar: “eis do que o homem é capaz!” Com medo e tremor, digamos também: é disto que nós, homens, somos capazes! “Se isto é um homem” é o título de um livro onde Primo Levi, um jovem químico e escritor italiano, gritou a sua dramática prisão em Auschwitz, numa impressionante visão dos campos de extermínio nazis. O que o homem é capaz de fazer quando o outro não é irmão, não é parte de nós mesmos!

Deixo aqui uma palavra a todos os que cuidam de doentes, de presos, de situações dolorosas ou marginais da vida. Podeis ser expressão daquilo que de bom é capaz o ser humano: ajudar o outro a conquistar a sua dignidade. Toda a criatura humana é capaz da heroicidade do dom a Cristo presente em cada irmão, como Ele o é para nós. A Ele damos tudo como mostra esta imagem. Desde que Madre Teresa a “salvou e a devolveu ao culto cristão, muitos lhe ofereceram o melhor da vida e dos seus bens… Vê-se nos trajes e joias oferecidas. Porquê?  É talvez a melhor forma que temos para lhe dizer: “Tu és o meu único Senhor, o meu único Rei, o meu único bem, és tudo para mim. Não tenho nem quero outro Deus fora de ti, dou-te tudo o que tenho e sou”. As melhores pérolas são, de facto, os corações arrependidos e livres para amar a todos. Isto disseram tantos homens e mulheres santos que souberam aceitar com júbilo os seus sofrimentos. Oxalá cada gesto de devoção e amor à imagem nos façam “chegar ao autêntico Cristo, o Filho de Deus e nosso salvador”. Para tal contribuiu Madre Teresa da Anunciada que não se poupou a esforços para dar força e dignidade à fé dos católicos, centrando-a em Cristo. É por ele que vamos ao Pai. É no Seu sangue que somos lavados de todas as culpas, é no seu amor que nos tornamos heróis nos sacrifícios e firmes no amor.

Oxalá Ele entre hoje de mansinho também nas nossas fragilidades e as cure. Muitas vezes pensamos que Deus confia apenas na nossa parte boa e vencedora, porém na realidade a maior parte dos seus desígnios realizam-se através e não obstante a nossa fraqueza. É isto que faz dizer a S. Paulo: “para que eu não me encha de soberba, foi-me dado um espinho na carne … Três vezes orei ao Senhor, para que o afastasse de mim; e Ele repetiu-mebasta-te a minha graça, porque a minha força manifesta-se na tua fraqueza. (2 Cor 12, 7-9). E continua: “Por isto sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo.

O maligno faz-nos olhar com juízo negativo a nossa fragilidade, o Espírito por seu lado traz-lhe luz e ternura que é a melhor maneira para tocar o que é frágil em nós e nos outros. O dedo apontado e o juízo que usamos no confronto com os outros, muitas vezes são claro sinal da incapacidade de resolver dentro de nós as próprias debilidades. Só a ternura nos salvará da obra do Acusador lembra o Livro do Apocalipse (Ap 12, 10). Por isso é importante encontrar a misericórdia de Deus, especialmente no Sacramento da Reconciliação, onde se faz uma experiência de verdade e ternura. Paradoxalmente até o Maligno pode dizer-nos a verdade, mas, se o fizer, é para nos condenar. A Verdade que vem de Deus não nos condena, mas acolhe-nos, abraça-nos, sustenta-nos, perdoa-nos. É por isso também que este lugar do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres é, antes de tudo, um lugar de oração e de espiritualidade, espaço de encontro com a misericórdia de Deus e o Seu perdão, lugar de vida que se levanta, vida ressuscitada. Não nos desviemos da fonte que é Cristo. Um jovem contava-me estes dias que, depois de anos perdido em busca de soluções mágicas e paralelas à fé, sem Jesus Cristo, reencontrou a paz ao voltar ao Sacramento da Reconciliação. Procurou um padre e confessou-se! Voltou à casa de partida, àquela onde Deus amor levanta qualquer vida, porque nos grita, na absolvição, que vem pela mão do sacerdote: “Eu te ordeno, levanta-te! É este o grande milagre que Ele quer fazer, mas não o fará sem nós pedirmos e fazermos a própria parte. Que a cada um nesta tarde, o Senhor grite fortemente: “levanta-te!”. Eu não suporto os teus sinais de tristeza, pecado e morte porque com o meu sofrimento preparei para ti um Reino de amor e paz até à eternidade.

Seja louvado o Senhor Santo Cristo dos Milagres!

 

 

+ Armando, Bispo de Angra