Angra do Heroísmo | 4 de abril de 2023 [PDF]

O Ressuscitado vive no meio de nós

Para quem está habituado a períodos longos de sol ou de chuva, causa algum espanto, nestas belas terras açorianas, ter, num só dia, o sol, a chuva, o nevoeiro… as 4 estações. Apetece pedir que o sol fique e brilhe todos os dias! Também na vida pessoal, profissional ou familiar se passa algo semelhante. Nem tudo é branco ou preto, só alegria ou só tristeza. E é por isso que se torna bela e desafiante a vida do crente, porque sabe que há sempre uma vitória a conquistar por detrás de um fracasso, que há uma alegria escondida por detrás das duras provas da vida, que o sol está lá sempre por detrás das nuvens mais densas, que há ressurreição por detrás da morte.
O Sol da Páscoa da Ressurreição veio para brilhar sempre! Cristo não mais morrerá nem nos deixará sós! Esta é uma Bela Notícia a repetir em cada dia do ano: “Ele está vivo no meio de nós e ama-nos infinitamente”! Nos dias de Quinta, Sexta e Sábado Santos, iremos ainda com Ele pelos trilhos da Paixão até ao Calvário; veremos, porventura, tantos dos seus passos, pesados e doridos, muito iguais aos nossos e de todos os que sofrem; veremos que a Sua cruz carrega misérias nossas, a Sua morte tem já dentro a nossa Ressurreição.
Ele, o Crucificado, conhece o nosso sofrer. Viveu-o no abismo da dor e do abandono. Conhece a angústia, a solidão extrema no patíbulo da cruz, o sabor amargo da traição e da negação, o aparente fracasso da sua missão, a dor física e moral. Mas tudo isto não tem a última palavra como não têm a última palavra o sofrimento e a morte. Compete-nos programar o fim de todos os desamores, ódios, ressentimentos, atitudes bélicas e injustiças para acolher o Amor Ressuscitado.
Que a Páscoa de 2023 seja a Festa da Alegria e da esperança para todos.
Como Igreja diocesana, em tempos de renovação Sinodal, continuemos a tentar encurtar as distâncias entre Jesus e cada um de nós, as nossas comunidades, o nosso modo de ser hoje seus discípulos. Façamo-lo, acolhendo o seu estilo e fazendo nossa a sua atenção, humilde e respeitosa, para com todos aqueles que a vida coloca ao nosso lado e nos faz encontrar. Que a abertura ao Ressuscitado gere em cada um uma confiança, uma esperança, uma sede de bondade capaz de resistir perante todas as provações e tentações; e que a Vida nascida da sua doação nos torne mulheres e homens «para os outros». É um desejo que se estende a todos, não só àqueles que conheceram Cristo e O amam sinceramente, mas também a todos os que procuram sentido, bondade, felicidade e plenitude.
Cristo ressuscitou verdadeiramente e traz esperança aos que sofrem com a incerteza da vida e do futuro, aos que continuam a lutar pelo bem dos outros, aos que cuidam da vida, das relações, da qualidade de vida dos irmãos. Ele é o Ressuscitado para as nossas relações, para as famílias, para aqueles que vivem e trabalham em lares de idosos, para aqueles que cuidam de pessoas com deficiência ou doença mental, para aqueles que trabalham ou estão detidos em prisões, para aqueles que estão ao serviço das nossas comunidades paroquiais.
Iluminados pela luz da Páscoa, convido, especialmente os sacerdotes, a levar o perfume de Cristo ressuscitado até à solidão, à miséria e à dor de tantos irmãos e irmãs, derrubando a pedra da indiferença. Que Ele seja fonte da mais verdadeira felicidade e impulso para fazer da existência uma vida de serviço humilde, sem esperar recompensa. As oportunidades são inúmeras, a vida está cheia delas: não as desperdicemos. A todos, especialmente àqueles que sofrem no corpo e no espírito, ofereço a minha proximidade.
Mas a Páscoa precisa de continuação. Quer tornar-se operativa no amor com que encaramos cada momento da vida. Deixo uma pista inspiradora, sugerida por um poema de Madeleine Delbrêl, uma mística cristã francesa, assistente social, ensaísta e poetisa. Aos 20 anos, experimentou o que disse ter sido uma “tempestuosa conversão”, uma verdadeira ressurreição. Diz ela: “a conversão é um acontecimento violento. É um momento decisivo que nos distancia do que sabemos sobre a nossa vida, a fim de que, olhos nos olhos com Deus, aprendamos Dele o que Ele acha da nossa vida e o que quer fazer dela”:
Se eu tivesse que escolher
uma relíquia da tua Paixão,
eu levaria apenas essa bacia
cheio de água suja.
Andaria pelo mundo com esse recipiente.
Dobrar-me-ia com a toalha sobre cada pé
e inclinada, de olhos baixos,
nunca levantaria a cabeça
para não distinguir inimigos de amigos…
e lavaria os pés do vagabundo, do ateu,
do toxicodependente, do prisioneiro, do assassino,
de quem nunca me saúda,
daquele companheiro por quem não rezo.
Em silêncio…
até que todos entendessem,
no meu, o Teu amor. (Madeleine Delbrêl)
Feliz Páscoa a toda a Igreja diocesana, para que, à luz do mistério pascal, prossiga unida e concorde no caminho que fazemos juntos. Feliz Páscoa a cada homem e mulher de boa vontade, aos governantes, às autoridades e quantos servem o bem comum. Que todos nos tornemos construtores de paz e mensageiros de esperança. Que o desânimo nunca nos limite ou nos impeça de dar o melhor de nós.
Tenho no coração e rezo por todos os que vivem mergulhados no sofrimento, na solidão, no esquecimento ou no desespero da pobreza, da falta de casa, de pão ou trabalho. Não esqueço, este ano, as vítimas inocentes dos abusos, esses irmãos e irmãs nossos que correm o risco de, no meio de toda a babel da comunicação e discussões secundárias, serem relegadas para posição secundária ou até ao esquecimento. Não o queremos nem podemos deixar que aconteça.
Do fundo do meu coração deixo os votos de Santa e Feliz Páscoa para todos. Que tenham o Sol da Páscoa nas 4 estações do dia!

+ Armando, Bispo de Angra