«Despertar para o essencial da Vida Humana»

Tal como os pobres pastores e os magos do oriente, descritos na cena evangélica do nascimento de Jesus de Nazaré, também hoje nos deparamos com muita gente que coloca o seu olhar no céu para dele receber o que na terra não lhe é oferecido.

No meio do frenesim económico e material que invadiu a nossa sociedade, é difícil descobrir os verdadeiros sinais que nos indicam o essencial da vida humana que só se detecta quando noas abeiramos daquela criança, igual a todas as crianças do mundo, mas na verdade é o Filho de Deus.

Por isso, a mensagem angélica que anuncia que alguém nasceu para nós e que é portador de uma vida há muito ansiada mas ainda não experimentada destina-se também a nós hoje, mergulhados no individualismo e consumismo, seduzidos por um progresso atrofiador e alienados em idealismos estéreis. Eis que surge a voz que nos convida a reconhecer na pobreza do presépio a glória excelsa de Deus e que da fragilidade de uma criança virá a paz autêntica para o mundo.

Daí soar aos nossos ouvidos e sobretudo no nosso ser «glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade».

Celebrar o Natal, o nascimento de Jesus de Nazaré, é, ano após ano, caminharmos ao encontro do verdadeiro Mestre que na sua postura de vida nos ensina o que é verdadeiramente viver humanamente.

Nascendo na pobreza, despertando, desde a primeira hora, o olhar atento dos mais excluídos e oferecendo-se através da simplicidade e da humildade como resposta à inteligência humana ávida de vida e de verdade, está a indicar-nos a nós hoje o valor da vida humana vivida no amor, na comunhão mútua, na generosidade, na partilha, no desprendimento pessoal, na ternura, na compaixão e na abertura para Deus. Como refere S. Paulo, «conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza» (2Cor. 8,9).

Mas é sobretudo eloquente o convite a caminhar para ir ao encontro daquele que, sendo Filho de Deus e portador de Salvação, nasce na mesma humanidade que qualquer criatura humana.

O Natal é, deste modo, um convite a caminhar na edificação de uma humanidade nova que tem o seu modelo em Jesus de Nazaré. Como refere S. João Paulo II, «Jesus é o “homem novo” (cf. Ef 4,24; Col 3,10), que convida a humanidade redimida a participar da sua vida divina» (NMI, 23). Na verdade, «no mistério da encarnação encontram-se as bases para uma antropologia capaz de ultrapassar os seus próprios limites e contradições, caminhando para o próprio Deus, antes, para a meta da “divinização”, pela inserção em Cristo do homem resgatado, admitido à intimidade da vida trinitária» (NMI, 23».

Eis o convite lançado a cada cristão e cada comunidade cristã para crescer no encontro com Jesus de Nazaré e aprender os traços de uma humanidade nova que tem um sinal eloquente no presépio; convite lançado à sociedade e à cultura actual na qual a pessoa humana se sente seduzida pelo imediatismo e pela matéria que ofuscam a verdade sobre o ser do homem e da mulher criados e redimidos por Deus para que se abram à Boa Nova proclamada pelo nascimento do Filho de Deus porque «o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente» (GS, 22).

Caminhar ao encontro de Jesus de Nazaré é deslocar-se para ir ao encontro dos que na sociedade esperam a sua libertação, nomeadamente os pobres, os excluídos, os marginalizados, os refugiados, os migrantes, isto é os que anseiam por uma vida autenticamente digna.

O Natal comporta uma decisão firme que leva a uma opção em favor dos mais débeis e desprotegidos para lhes devolver a esperança. Contudo, para que tal se concretize exige-se partilha e comunhão efectivas, não só de bens materiais mas da pessoa em si mesma, tendo como exemplo a Jesus de Nazaré que «pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem» (GS, 22). Foi tal a solidariedade com a condição humana que «trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano» (GS, 22). De facto, «nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (GS., 22).

É nestes sentimentos de profunda comunhão entre todos os homens e mulheres que vivem, sofrem e lutam, se interrogam sobre o seu futuro ou porventura ainda não despertaram para a sua vocação sublime como filhos de Deus, que expresso os meus votos de Santo e feliz Natal para todos os diocesanos sejam os que vivem nos Açores seja os que se encontram na diáspora.

 

Angra do Heroismo, 10 de Dezembro de 2018

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores