Noite de Natal
Aí está o Natal, com a força da tradição. Vem como que «embrulhado» com as luzes e as cores do comércio. Mas não deixa de marcar as nossas vidas. «Porque a graça de Deus, fonte de salvação, manifestou-se a todos os homens» (Tito 2, 11). Glória a Deus e paz na terra!
1. O Natal não é simplesmente celebração do aniversário natalício de Jesus. É «comemoração» e, portanto, «memória» da presença misteriosa de Deus, no «hoje» da nossa vida. O Mistério da Encarnação de Deus, que celebramos no Natal, mais do que simples e rápida «visita», é entrada definitiva e permanente do Filho de Deus feito Homem, na realidade da vida humana, na minha vida, tal como ela é, também na sua fragilidade.
«E o Verbo fez-Se homem e veio habitar connosco» (Jo 1, 14), assumindo completamente a condição humana: em tudo igual a nós, excepto no pecado.
É esta a Boa Notícia, que nos traz o Natal de Jesus. Nascendo na nossa carne, Ele acompanha-nos na luta da vida, com as suas luzes e sombras, sucessos e fracassos, alegrias e tribulações.
São também para nós, hoje, as palavras de S. Pedro: o Senhor não tardará em cumprir a Sua Promessa, de acordo com a qual «esperamos novos céus e uma nova terra, onde habita a justiça» (2 Ped 3, 13).
2. Celebrar o Natal é, pois, dar corpo a esta esperança do «já» e «ainda não» do Reino de Deus, inaugurado com o Natal de Jesus. A demora do «ainda não» da Promessa não pode ofuscar a certeza do «já» do Reino em marcha no mundo, apesar de todas as contradições e contrariedades da história.
Por isso, fazemos festa nesta época natalícia. E ainda bem que podemos fazer festa. O que importa é dar sentido e medida à festa, fazer chegar a festa a todos, levar o espírito da festa para a vida. Não se pode construir o Reino de Deus, fugindo do mundo, mas inserindo-se nas lutas da vida em sociedade, como fermento que leveda a massa.
3. É o que se espera dos cristãos, nesta situação difícil, que atravessa o País. Os Bispos portugueses fazem um forte apelo a todos os católicos, para que sejam parte activa na solução da «crise». Passa por aqui uma «cidadania mais esclarecida, criteriosa, responsável, solidária…
«Estamos num momento em que é preciso realçar as exigências do bem comum, isto é, a prevalência do bem de toda a colectividade sobre interesses pessoais e corporativos … O contributo de todos para o desenvolvimento colectivo, faz de cada cidadão protagonista das soluções, quer pagando os impostos justamente distribuídos, quer empenhando-se criativa e solidariamente no implementar de soluções».
Os próximos tempos desafiam-nos «a uma profunda mudança de mentalidades, a exigir estímulo a quem cria oportunidades, a requerer invenção de pronta solidariedade e a conduzir a uma opção pessoal pela sobriedade, terreno realista, contrário a promessas impossíveis».
4. Apesar das dificuldades conhecidas e previstas, os nossos Bispos deixam-nos uma palavra de confiança. Não tenhamos medo dos momentos difíceis, pois eles constituem, tantas vezes, alicerce de um futuro melhor, como nos sugere D. João Lavrador, já empossado como Bispo Coadjutor de Angra, a quem saúdo e desejo muita força e coragem, para ajudar a Igreja dos Açores a viver uma “fé inculturada” na vida como costuma dizer e repete no seu recente livro, «A Missão da Igreja no Mundo Hoje».
É preciso ter a coragem da esperança, que nos compromete num caminho de exigência e de austeridade. Bem na linha da história nova e diferente, que nasce em Belém. Essa história ainda se está a fazer. Como que vivemos as dores de um parto, que anuncia o nascimento de uma nova humanidade.
5. Entre o «já» e o «ainda não» da sua plena realização, os cristãos teimam em esperar, sentindo a obrigação de apressar os «novos céus» e a «nova terra», colaborando activamente para construir uma sociedade conforme o desígnio de Deus e à medida do homem.
Com o profeta, atrevo-me a dizer aos corações atribulados: «Tende coragem. Não temais. Aí está o vosso Deus…, vem em pessoa salvar-nos» (Is 35, 4). Razão mais do que suficiente, para desejar a todos Boas Festas de Natal, com a certeza do «hoje» da salvação de Deus, na história conturbada do nosso tempo.
+ António, Bispo de Angra