«Iam a caminho, subindo para Jerusalém, e Jesus seguia adiante deles» (Mc. 10, 32)

Ano após ano, abre-se perante nós o itinerário quaresmal que pretende entrelaçar a vida de Jesus Cristo com a vida dos seus discípulos.

Somos convidados a percorrer o caminho que tem o seu auge em Jerusalém mas, em cujo percurso, Jesus de Nazaré nos vai manifestando as diversas facetas da Sua vida, nomeadamente do Seu serviço a todos os que d’Ele se aproximam. Na proclamação da Palavra e nos gestos libertadores revela-nos o amor do Pai e de modo singular nos interpela ao seguimento uma vez integrados no mesmo caminho que O conduzirá até à realização plena da Promessa do Pai para com a humanidade.

Este tempo da quaresma é vivido na intensidade de quem quer conhecer o mistério da vida de Cristo e de quem reconhece que para tal se exige percorrer os mesmos passos de Jesus de Nazaré.

É uma interpelação lançada a toda a pessoa, a todo o cristão mas sobretudo a toda a comunidade cristã. Ninguém pode ser cristão alheado do mundo no qual vive nem da comunidade na qual é chamado a participar activamente.

Por isso, cada cristão, em itinerário quaresmal, fazendo ressoar em si mesmo a experiência de vida de Jesus Cristo e do próprio Povo de Deus que ao longo dos séculos foi chamado a caminhos de libertação e de comunhão com Deus e com os outros seus irmãos, terá de integrar as dores e os sofrimentos, as perplexidades e angústias, a solidão e o desespero de tantos homens e mulheres que anseiam pela libertação total que sabemos que só poderá vir de Deus.

É toda a Igreja, na pessoa de todos os baptizados, que se integra nesta caminhada de renovação e de conversão. Fazemo-los na condição de baptizados. Isto é, pondo os olhos na Páscoa de Jesus Cristo, no Seu mistério pascal, iluminados pela Sua Ressurreição, experimentando em nós a Vida Nova de Ressuscitados que nos foi dada no baptismo, despertamo-nos para uma vivência mais autêntica da nossa fé cristã.

Assim pelo jejum e pela esmola, pela ascese e austeridade de vida, pela escuta mais assídua da Palavra, pela frequência dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação e pela oração mais intensa e fervorosa, fortalecemos a comunhão com Deus e com os nossos irmãos. Despojamo-nos progressivamente de nós, integramo-nos numa comunidade de partilha de dons e edificamos uma sociedade de irmãos.

Renovando em nós a graça baptismal, a caminhada quaresmal é vivida em etapas que a Palavra de Deus na Liturgia dominical nos oferece.

Convido os cristãos e cada comunidade cristã a prosseguirem com este itinerário tal como a Liturgia da Palavra em cada domingo nos indica.

Começamos por nos colocar na dinâmica do discernimento evangélico meditando as tentações de Jesus; deixamo-nos deslumbrar pela transfiguração do Senhor que nos antecipa a Sua glória que deve ser assumida na vida nova de baptizados; somos alertados para a maneira como tratamos a morada de Deus entre nós e reconhecemos que o verdadeiro templo é Jesus Cristo morto e ressuscitado, com o qual nos configuramos; sentimos de perto como Deus amou o mundo que lhe enviou o Seu Filho como Luz para todo o ser humano; somos animados pela pergunta de quem quer ver Jesus e iluminados pela resposta que a partir de Cristo nos revela o seu mistério pascal; e, por fim, entramos intensamente no mistério pascal de Jesus, na Sua entrega, morte e Ressurreição.

Caminhando orientados pela Palavra de Deus, discernindo os sinais baptismais que acompanham a mesma Palavra e sedentos de Verdade e de Amor, somos conduzidos até á Vida Nova do Ressuscitado.

O Papa Francisco, na sua mensagem para a quaresma deste ano, convida todas as comunidades cristãs a viverem em profundidade a fé, a esperança e a caridade. Diz ele que «neste tempo de conversão, renovamos a nossa fé, obtemos a “água viva” da esperança e recebemos com o coração aberto o amor de Deus que nos transforma em irmãos e irmãs em Cristo».

Deste modo «a quaresma é um tempo para acreditar, ou seja, para receber a Deus na nossa vida permitindo-Lhe “fazer morada” em nós (cf. Jo 14, 23)»; igualmente é tempo para a esperança pela qual «Jesus fala-nos do futuro aberto de par em par pela misericórdia do Pai».  De facto, «esperar com Ele e graças a Ele significa acreditar que a última palavra na história, não a têm os nossos erros, as nossas violências e injustiças, nem o pecado que crucifica o Amor; significa obter do seu Coração aberto o perdão do Pai»; e acrescenta-se que «a caridade alegra-se ao ver o outro crescer; e de igual modo sofre quando o encontra na angústia: sozinho, doente, sem abrigo, desprezado, necessitado… A caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós mesmos gerando o vínculo da partilha e da comunhão».

Neste tempo tão fundamental e central na vivência da fé de todos os baptizados, exorto os sacerdotes a favorecerem aos fiéis cristãos as fontes da Vida Nova com iniciativas de oração pessoal e comunitária, pela reflexão da Palavra de Deus, pela celebração mais frutuosa da Eucaristia e na celebração do sacramento da Reconciliação.

Que se exortem os fiéis a saborear o infinito amor de Deus e que estes saibam aonde recorrer para receber o sacramento da conversão e da renovação, encontrando sempre da parte dos sacerdotes o acolhimento e a disponibilidade para a digna celebração do sacramento do perdão.

Em caminhada sinodal, cada comunidade cristã interpelada em todos os seus membros a uma participação mais activa na celebração dos sacramentos, nomeadamente da Eucaristia, e na missão evangelizadora da Igreja, renova-se e reforça o seu empenho apostólico através de uma vivência profunda do itinerário quaresmal.

Neste ano, mais uma vez não poderemos ignorar a pandemia que nos invade e tanto sofrimento, pobreza e solidão está a provocar. Esta situação apela à partilha com todos os que sofrem.

Neste sentido, o fruto da renúncia quaresmal a nível da diocese, em todas as comunidades cristãs, será destinado para ajudar as vitimas da pandemia do Covid/19. Será repartido em partes iguais pela comissão diocesana da pastoral da saúde e pela Cáritas diocesana para ajudar a suster os efeitos desta pandemia.

Dado que esta dádiva é de máxima urgência, pede-se que este ano as paróquias façam a entrega do montante da renúncia quaresmal o mais depressa possível.

Apelamos à generosidade de todos os diocesanos.

Coloquemo-nos sob a protecção de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que nos acompanha nesta caminhada quaresmal, tal como acompanhou a Jesus, o Seu Filho e os Apóstolos, na sua subida para Jerusalém e que dela alcancemos as graças para progredir na renovação da nossa fé, esperança e comunhão com Deus e com os irmãos.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores