Igreja Matriz de São Sebastião. Ponta Delgada | 3 de novembro de 2023 [PDF]

Estão a completar-se 489 anos da bula Aequum Reputamus do papa Paulo III, de 5 de novembro de 1534, que criou a Diocese de Angra. Quando há aniversário, junta-se a família, os amigos trazem a sua alegria e faz-se festa. Que assim seja também hoje, aqui! Fazemo-lo de coração agradecido por tudo quanto Ele fez e continua a fazer nesta diocese, através de quantos se colocaram e colocam ao Seu serviço nos diferentes campos da Missão. Obrigado a cada um de vós!

É já uma história bonita esta, que, neste momento da história, passa por nós, por todos, todos, todos! Esta manhã, demos espaço e relevo ao Projeto Dio500 que, durante um arco de 10 anos preparará a História Religiosa dos Açores com diversas atividades ao longo desse caminho para manter vivo o riquíssimo património material e imaterial dos Açores. Neste campo, congratulo-me também com o programa cultural dos 500 anos do Convento de S. Francisco de Ponta Delgada, que decorrerá em 2025 e está inserido neste mesmo percurso do Dio500. Está também inserida nesse percurso a Conferência desta manhã proferida pela Dra. Fátima Eusébio. Obrigado, Doutora Fátima e família por nos lembrar “as possibilidades que o património oferece à evangelização”, e que não deve ser reduzido a mero conjunto de objetos de museu, algo do passado! São realidades que falam hoje!

Continuaremos, amanhã, estas celebrações, dando a palavra sobretudo aos leigos dos Secretariados, Serviços, Movimentos e Obras sobre o Itinerário Pastoral para estes próximos 2 anos até ao Jubileu da Esperança. Fá-lo-emos num exercício prático da sinodalidade que, não sendo propriamente uma novidade na História da Igreja, chama a atenção para uma forma participada de ser Igreja neste terceiro milénio.

Queremos que a sinodalidade se torne, também na nossa diocese, estruturalmente constitutiva da Igreja. A sinodalidade é uma escola: todos, porque sacerdotes desde o batismo, podemos exprimir igual amor e louvor a Deus; todos, porque todos somos profetas, devem ser escutados; todos, porque participamos da mesma realeza de Cristo, somos corresponsáveis na missão.

No Domingo, dia 5, depois da Eucaristia na catedral, terminaremos, à noite, com o encerramento de mais um Curso de Cristandade de mulheres, outro dos pontos importantes da recente Assembleia do Sínodo: o papel da mulher na Igreja e a necessidade de dar mais espaço ao génio feminino e ao princípio mariano, tão importante na Igreja. No Movimento de Cursilhos de Cristandade saúdo e abraço todos os Movimentos da Igreja na Diocese, agradecendo a todas as mulheres e homens o contributo que dão, nomeadamente na formação permanente dos batizados leigos, mas também dos sacerdotes e consagrados. Os movimentos são estruturalmente sinodais, porque fraternos, mas missionários pelo carisma que os inspira. Obrigado a todos pelo que fazeis na Diocese.

  1. Caros irmãos e amigos, celebramos a Fundação da nossa Diocese, num ambiente onde ainda se respira o ar da Assembleia do Sínodo, a primeira de duas. O que nos diz a Palavra de Deus?

a) A Igreja é “Lugar de encontro”

As leituras bíblicas referem-se ao tema do “templo”. No Antigo Testamento (Ez 47), o profeta Ezequiel, do exílio na Babilónia – era por volta do ano 592 a.C -, tenta ajudar o povo a sair do desânimo, por já não ter mais uma terra e tampouco um lugar para rezar. Surge, assim, a sua mensagem na qual o profeta anuncia o dia em que o povo iria adorar ao seu Deus no novo Templo: um lugar, onde o homem eleva a sua oração a Deus; onde Deus se aproxima do homem, ouvindo a sua oração e o socorrendo onde se encontra. Enfim, um lugar de encontro! Desta forma, o templo assume o papel de Casa de Deus e Casa do Povo de Deus. Desse templo, – diz o profeta, – vê jorrar água: “Vi que saía água pela soleira do templo”: uma água, como dádiva, que traz vida, bênção; um lugar, onde se pratica a justiça, a única capaz de curar o povo. Quão sugestiva é esta ideia do profeta e quão atual. Uma Igreja toda Povo de Deus, casa para todos e de onde sai essa água viva que a coloca em missão e a faz ser relevante no mundo.

b) A Igreja é lugar de conversão contínua.

“Tirai isto daqui e não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”: palavras e ações, que se referem ao profeta Zacarias, quando anunciou o que aconteceria com a ida do Senhor à cidade de Jerusalém: “Naqueles dias, não haverá mais traficantes (cananeu=mercante) na casa do Senhor” (Zc 14,21).

c) Cada um de nós é “casa de Deus”,

Somos a “casa de Deus” em Jesus ressuscitado, porque o Espírito mora em mim, em cada um de nós (1Cor 3,16). Por um lado, o simples fato de estarmos cientes disso, leva-nos a louvar o Senhor e, por outro, a dizer, às vezes, de modo excessivo: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa…” (Mt 8,8), esquecendo que Ele já está em nós, nos acolhe e nos ama, não como gostaríamos de ser, mas como somos, aqui e agora.

Encontro, conversão e casa tem muito de referência sinodal: encontro que gera comunhão; conversão que conduz à participação; casa que fala de Igreja/família, de portas abertas, em missão. São as 3 palavras do lema do Sínodo e da Igreja que queremos hoje. A recente Assembleia Sinodal foi mais um passo inspirador também para a nossa caminhada diocesana que arrancou há cerca de três anos e ainda tem muito caminho pela frente, a ser percorrido com fé, oração, escuta, partilha, silêncio, reflexão e discernimento.

Ninguém, nenhum de nós, pode dizer que não é consigo. Caminhar, em comunhão, é desafio para todos.

  1. Num mundo que arde e está à beira do abismo de um novo conflito mundial, num mundo marcado pela incapacidade de ouvir e pelo ódio que fomenta guerras e violência, ver as quatrocentas pessoas do Sínodo reunidas durante um mês para rezar, para se ouvirem, para discutirem, é certamente encorajador.

A Igreja sinodal, em que insiste o Papa, representa hoje uma pequena semente de esperança: ainda é possível dialogar, acolher-se mutuamente, por de lado o protagonismo do próprio ego para superar as polarizações a fim de chegar a um consenso amplamente partilhado e que fortalece a missão comum.

Até aqui, reuniam-se em Sínodo os bispos que confirmavam o que o Papa esperava ouvir e as suas orientações. Agora, até os críticos do Papa tiveram assento no Sínodo e foram convidados a falar, apelando-se apenas a que não se fixassem nas suas posições e soubessem acolher as dos outros, para todos fazerem caminho juntos! O Sínodo dos bispos deixou de ser um evento para ser um processo estrutural. Exige conversão pessoal e comunitária pois é uma nova e mais exigente forma de funcionar.

Na experiência que fazemos no dia a dia das dioceses e comunidades eclesiais, vemos que, também nós, facilmente nos enredamos em conversas destrutivas, no endeusamento das próprias visões, no ver apenas o negativo de quem caminha ao nosso lado, do que faz mais ou faz menos, e até, por vezes, a tentação de eliminar para sobreviver. Há, de facto, necessidade de nos agarrarmos à oração, à leitura atenta da Palavra Eterna de Deus, de a partilharmos com humildade e amor e, nesse processo de conversão, escutarmos quem tem a primeira e última palavra: o Espírito Santo!

O amor evangélico exige que deixemos que Ele sopre delicadamente no coração de cada um de nós, que opere um exercício paciente de conversão dos pensamentos, sentimentos, comportamentos e reacções, uma purificação do egoísmo e comodismo, uma grande disponibilidade ao amor pelos mais frágeis, uma generosa capacidade de partilha, uma participação mais calorosa e atenta na vida da comunidade.

Num tempo que gera desconfiança e partidarismos, convido a rezarmos unidos pela nossa diocese. Que também na nossa diocese de Angra se siga essa voz profética capaz de se erguer e de elevar acima dos interesses, das ideologias e dos partidarismos: a do Bispo de Roma, o Papa Francisco. Há uma luzinha de esperança que esperamos seja prenhe de consequências para o futuro da Igreja e de toda a humanidade. Não nos fixemos numa Igreja que, por palavras, diz querer aplicar o Concílio, mas que depois atua com categorias pré-conciliares através de práticas estabelecidas, com os bispos e padres a decidirem e os outros batizados a limitarem-se a pôr em prática as suas decisões.

Há no Sínodo uma nova tomada de consciência da necessidade de aplicar os ensinamentos do último concílio, relativos ao único e igual chamamento que envolve todos os batizados. Nas páginas do Evangelho, vemos Jesus que se aproxima de todos e fala com todos, mas é contrariado e combatido pelas castas. Os clérigos da época, os escribas, os doutores da lei, os mestres de doutrina. Temos de olhar para o Nazareno para recuperar na Igreja, a todos os níveis, desde a Cúria até à mais pequena das paróquias, a consciência de que todo o ministério é serviço e não poder, e serve verdadeiramente se aproxima, une, torna corresponsáveis, cria fraternidade, testemunha a misericórdia de Deus, não se distancia, não se entrincheira em privilégios, não traça linhas divisórias entre os que são ordenados e os que não o são. Da mesma forma há que evitar a chamada clericalização dos leigos, sobretudo daqueles que ocupam lugares de coordenação nas paróquia, nos serviços e nos movimentos.

O motivo principal do agir deve ser sempre o amor de Cristo derramado nos nossos corações. A caridade é, sobretudo, relação e dom de si na partilha e no serviço. Este dom deve ser humilde, discreto e liberto de qualquer sentido de superioridade, venha de onde vier.

Oxalá o tempo de graça vivido pelos homens e mulheres reunidos em Roma, a começar pelo Papa Francisco que esteve no meio de todos como primus inter pares, seja agora testemunhado como método a aplicar com paciência em cada expressão da vida das comunidades cristãs, nas nossas comunidades das nove ilhas dos Açores. Que o Divino Salvador do Mundo e o Beato João Batista Machado nos inspirem e iluminem.

 

 

+ Armando, Bispo de Angra