Sé. Angra.

Tal como a multidão que à entrada de Jerusalém aclamou Jesus de Nazaré, também nós hoje, através da escuta da Palavra de Deus e do gesto da procissão de ramos, somos convidados a viver a experiência da entrada de Jesus na cidade santa de Jerusalém para revelar a totalidade do amor de Deus na entrega total de Si mesmo pela salvação da humanidade.

O facto de aclamarmos a Jesus de Nazaré como Rei e o saudarmos com Hossana ao Filho de David, estamos a exaltar a Sua incarnação mas estamos igualmente a assumir que seguimos um rei diferente dos monarcas terrestres e a reconhecer que o poder deve ser exercido como serviço e entrega ao outro.

Eis o inicio de uma caminhada que questiona o nosso pensar, a nossa forma de entender a Deus e a Sua acção no meio das Suas criaturas mas sobretudo que desafia os poderes do mundo para pautarem a sua autoridade não como força a exercer mas antes como entrega no amor e no serviço aos mais pobres e excluídos deste mundo.

Já o profeta Isaias delineando o perfil do Messias, o Enviado de Deus, apresenta-o na condição de discípulo que escuta para falar com a força de Deus para dar alento aos extenuados. Mas sobretudo oferece os traços de uma personalidade sólida, vigorosa e consciente do que implica a fidelidade a Deus e à missão exercida no meio de um mundo que não quer abdicar do seu poder, da sua riqueza e do seu prazer, da sua comodidade e dos seus interesses, abandonado os humildes e os simples à sua sorte.

Esta personalidade que caracteriza o discípulo é identificada com Jesus de Nazaré que na Carta de S. Paulo aos Filipenses nos convida a contemplar o Filho de Deus que se aniquila a Si mesmo, assumindo a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens adquiriu o rosto do sofredor e do marginalizado.

Assente na cruz e no sofrimento, no despojamento e na humilhação, Deus O exaltou e o glorificou.

Entramos na semana que sintetiza para nós discípulos de Jesus Cristo o fundamental da nossa fé. Somos convidados a entrar no mistério da revelação de Deus feita na entrega do Seu Filho para podermos contemplar a Sua glorificação, mas sobretudo somos interpelados a fazer a experiência na vida pessoal e comunitária do ser de Deus que nos chama e nos envia como discípulos ao mundo de hoje.

Na verdade, há uma conversão pessoal e comunitária a fazer para que o nosso ser e o nosso agir coincidam com o querer de Deus que está patente na atitude de Jesus Cristo que se oferece para a salvação e redenção da humanidade.

Esta celebração está marcada pela longa proclamação da Paixão do Senhor. É pela escuta e interiorização da Palavra que nos oferece o caminho redentor do Nosso Salvador que entramos na vivência deste tempo oportuno e fecundo para alcançarmos a comunhão com Deus e com os irmãos.

Para este caminho percorrido por Jesus de Nazaré somos também convidados tal como tantos e tantos que nos são apresentados na descrição evangélica. São variadíssimas as personagens e cada uma com uma intenção própria que se vai revelando do percurso que leva até á entrega total de Jesus Cristo.

A pergunta que nos fica e à qual devemos responder com a atitude e critérios próprios do nosso viver é saber com qual das personagens nos identificamos, onde nos colocamos neste caminho e que reacção temos em relação ao drama no qual nos sentimos envolvidos.

Consoante a resposta que dermos assim nos dispomos ou não a conformar a nossa vida com os desígnios de Deus, a aceitar a nossa condição de discípulos que são chamados a ter a mesma sorte do Mestre e a sintonizar ou não com a dor e o sofrimento dos nossos irmãos.

Membros de uma comunidade cristã e com obrigações de participação na actividade cristã no meio do mundo, a conversão pessoal e comunitária que este caminho redentor exerce sobre nós é importante para nos assumirmos como discípulos enviados ao mundo em atitude de serviço à pessoa e à sociedade.

Os diálogos que percorrem o Evangelho e que colocam a Jesus Cristo em atitude de quem oferece a conduta certa para quem aceitar ser seu discípulo devem desafiar-nos a todos nós sobre o nosso ser e o nosso actuar. Enfrentemos estes diálogos com serenidade e coragem.

A Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que percorreu o caminho do Calvário junto do Seu Filho, imploramos que nos ajude a percorre-lo também na fidelidade a Deus e com os olhos postos na humanidade sofredora vitima dos poderes do mundo.

 

Amen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores