Sé Catedral. Angra do Heroísmo |8 de junho de 2023 [PDF]

Caríssimos irmãos e irmãs, caros sacerdotes, caros fiéis leigos,

 

hoje celebramos a Festa do Corpo e Sangue de Jesus Cristo, nosso Salvador. É o sacramento visível da sua presença invisível. Ele que se disse ser o “pão da vida eterna”, só tem palavras performativas, que realizam o que significam, que são igualmente Palavra de Vida Eterna. A Celebração Eucarística é sempre Palavra e Pão, Cristo completo. Esta Festa, mesmo para quem não se sente preparado ou não pode receber o Corpo e Sangue de Cristo na Hóstia Consagrada, seja porque não é batizado ou não se sente em plena comunhão com Deus, com a Igreja e com os irmãos, recebe-o feito Palavra que também se faz vida em nós. Mas, hoje, somos especialmente desafiados à fé na presença real de Cristo no pão e vinho consagrados para a salvação de todos.

 

A liturgia repete-nos as exortações de Moisés ao povo: ” Recorda-te de todo esse caminho que o Senhor, teu Deus, te fez percorrer durante quarenta anos pelo deserto […]. Não se esqueçam.” (Dt 8:2.14). O povo deve fazer memória do que o Senhor lhes deu para que não morram de fome e sede. “O homem não vive só de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor” (ibid., 3). Como nós hoje!

 

Jesus, no Evangelho de João, afirma: “Eu sou o pão vivo que desce do céu. Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia» (Jo 6, 51, 54). Somos “o novo povo” a caminho, no deserto da vida. Neste deserto, porém, não estamos sozinhos: Deus faz-se nosso alimento, nosso sustento. Ele, nosso viático, não nos dá um pão qualquer, mas a si mesmo. Ele, em nós, torna-se energia e, ao mesmo tempo, a meta do nosso caminho. Além disso, neste êxodo terreno, estamos na companhia de outros irmãos, somos todos um só corpo (1 Cor 10,17). Uns, unidos aos outros.

 

Quem se alimenta da Palavra e da Eucaristia, está em comunhão com Cristo e com o seu corpo, que é a Igreja. A Eucaristia e a Igreja não são dois corpos separados, mas uma realidade, chamada Corpo de Cristo. O corpo eucarístico é o fundamento, a justificação e a manifestação do corpo eclesial. A comunhão com Cristo, Cabeça, é condição e fundamento da comunhão com os nossos irmãos e irmãs, membros do mesmo corpo. Se quisermos, a comunhão visível entre nós é a única prova da comunhão invisível com o Senhor! Compartilhar a mesa do altar não pode ser separado da mesa da vida quotidiana.

 

Por vezes, pelas notícias, ouvimos falar de episódios de profanação da Eucaristia. Imediatamente se procura sanar tal sacrilégio, com orações de reparação e atos de penitência. Se necessário, até o próprio altar é reconsagrado. Por que não temos a mesma e imediata reação, quando o corpo eclesial é profanado, ou seja, quando testemunhamos injustiças e desigualdades, violências e opressões? Quantas lacerações também dentro do tecido eclesial! No entanto, isso não é um ultraje menos do que a profanação, porque diz respeito ao mesmo “corpo” de Jesus. Se não há lugar para Jesus em nós, significa que alguém ou, outra coisa, tomou completamente posse dentro do nosso coração!

 

Se somos verdadeiramente cristãos, vivamos a nossa vida de forma mais eucarística. Somos nós que somos assimilados a Cristo, e não o contrário, quando nos alimentamos Dele (Santo Agostinho). Perguntemo-nos: o que podemos fazer para nos sentirmos dignos do Senhor e em comunhão com o próximo? “Diz-me do que te alimentas e eu te direi quem és”, dizia alguém. O que seria da nossa vida se fosse alimentada por tudo, mas não do Senhor, da Santa Eucaristia e a sua Palavra? Vivamos mais de adoração, de comunhão eucarística e comunhão fraterna. Adorar a Cristo no Tabernáculo deve levar-nos a curvar-nos diante do tabernáculo de Cristo, que são os pobres e o próximo. Um grande estadista, Alcide de Gasperi que, com Konrad Adenauer, Robert Schuman e Jean Monnet é considerado como um dos “pais da Europa”, dizia: “Ajoelho-me diante da Eucaristia, para poder estar diante dos homens”. Ah! tantas vezes, na nossa vida, acontece exatamente o contrário: ajoelhamo-nos diante dos poderosos da terra e colocamos o nosso Redentor debaixo dos pés.

 

Há uma advertência delicada para nós, sacerdotes, por parte de São Francisco de Assis, que dizia aos seus frades: “Eis que todos os dias Ele se humilha na Santa Eucaristia, como quando desceu da sede real para o seio da Virgem Maria. Ele mesmo, todos os dias, desce do seio do Pai sobre o altar, nas mãos do sacerdote”. E, numa carta a toda a Ordem, Francisco exclama: “Quão santo, justo e digno deve ser aquele que aperta nas suas mãos, recebe no coração e oferece aos outros este Santíssimo Sacramento. Oh sublime humildade! Oh sublimidade humilde! O Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, humilha-se a ponto de se esconder, para a nossa salvação, sob a pouca aparência de pão. Olhai irmãos. É humildade de Deus!”

 

Como conclusão desta reflexão, digamos que o homem tem fome de Deus. Não será verdade que todo o bem-estar de hoje não aumentou de facto a felicidade humana numa grama que seja? A verdadeira alegria não consiste em acumular, mas em fazer-se dom; assim como Jesus fez e ainda faz, todos os dias, por nós, na mesa eucarística. Santa Teresa de Calcutá dizia: “Sem a Eucaristia não poderia viver um único dia. E, sem a Eucaristia, não poderia levar amor aos pobres”. Olhando para os raios de cada ostensório, pensemos em como também a nossa vida é chamada a ser uma irradiação daquela luz que emana do Cristo Vivo na sagrada espécie eucarística.

 

Iremos hoje em procissão levar o Santíssimo Sacramento pelas ruas de nossa cidade, para abençoar famílias e instituições, locais de dor e trabalho, pessoas devotas e homens indiferentes. Mas com a procissão fazemos apenas um rito, respeitamos uma tradição de piedade popular e uma manifestação da nossa devoção eucarística. O que nos é pedido pela Palavra de Deus é transformar o rito e a devoção num comportamento de fé e caridade. É-nos pedido viver de Cristo, isto é, a conhecê-Lo, a amá-Lo, a imitá-Lo.

 

 

+ Armando, Bispo de Angra