Adro do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Ponta Delgada|14 de maio de 2023 [PDF]

Uma espiritualidade que leva à missão

Neste momento da celebração eucarística em que as pessoas se deveriam sentar, deixai que repita o lema que nos tem acompanhado nestas festas: “Jovem, eu te ordeno: levanta-te”! É tirado do episódio em que Jesus ressuscita um jovem morto e o entrega a sua mãe, uma viúva. Ali transformou a morte em vida e mostrou que Ele mesmo pode tirar esperança do desespero e vida da morte. Di-lo também a nós, que somos peregrinos nestas Festas. Ele volta a estar aqui, como naquele cortejo, para nos convidar a ouvir a Sua Palavra e alimentar-nos com o seu próprio Corpo e Sangue, Vida completa. O Seu primeiro milagre é precisamente esta comunhão planetária proporcionada pelos meios de comunicação social, digital e redes sociais, uma sinfonia de irmãos ligados aos Açores e que, movidos pela fé, se juntam a nós para dar glória a Deus. Saúdo todos os meios que levam esta nossa festa e todos os que nos seguem: os da diáspora, os doentes e todos os que sofrem de algum modo. Saúdo esta cidade de Ponta Delgada que nestes dias se transfigura em cidade da Luz, a Luz do Senhor Santo Cristo dos Milagres; saúdo o Sr. Reitor do Santuário, Sr. Vigário-Geral, os sacerdotes e consagrados, os nossos governantes da Região dos Açores e do País, bem como todas as autoridades e dirigentes; saúdo esta ilha do Arcanjo S. Miguel e todas as restantes 8 ilhas irmanadas por formas tão próprias de inculturar a fé; saúdo a vós caríssimos, vós, que sois peregrinos como eu. Estareis todos, bem como as vossas intenções, sobre o altar da Eucaristia. A todos Ele repete: “Levanta-te. Temos caminho a fazer juntos”!

– No Evangelho que ouvimos há uma feliz promessa de Jesus: “Eu pedirei ao Pai, que vos dará o Espírito Santo para estar sempre convosco. Foi promessa feita aos discípulos antes de ir para o Pai, sabendo que precisariam Dele, sobretudo nas dificuldades. Caros irmãos, entrar no Evangelho é como subir a uma montanha e caminhar sempre no topo até ao fim. Um topo que é vida em Deus, sem se amedrontar com os precipícios… Cada Palavra é o mínimo e o máximo que Deus nos pede pelo que, quando se lê “quem me ama será amado”, tem da lei a medida máxima. Jesus propõe que imitemos o amor do Filho pelo Pai e vivamos um amor igual entre nós. O Espírito santo não faltará.

“Eu manifestar-Me-ei», diz Jesus. Esta devoção ao Senhor Santo Cristo é uma das muitas formas de Ele se manifestar. Manifestou-se a Madre Teresa da Anunciada, aos homens e mulheres do seu tempo, desta cidade e ilha, no mistério da Sua paixão, Morte e Ressurreição. O povo açoriano deixou que desta imagem irradiasse um amor contagiante, uma esperança de vida feliz, mesmo nos sacrifícios, uma luz que leva a ver o sofrimento como graça e não castigo. E isto contempla-se no rosto do Senhor santo Cristo e vê-se espelhado no olhar, atitude, respeito de quantos silenciosamente O olham e se deixam olhar. Este povo aprendeu que, rezando a Deus junto da imagem, o seu coração se tornaria manso e humilde, misericordioso e bom como o Dele. Há na espiritualidade nascida do Senhor Santo Cristo, suas dores e cruz, um fio de ouro que une todos os seres e todas as coisas entre si! A vida cristã antes ainda de ser uma missão é um modo de ser e viver à maneira de Deus, à maneira da Trindade, que nos dá um coração novo e olhos novos, uma maneira diversa de ver as coisas, uma intelectualidade que vai para além do raciocínio: é preciso ser o Amor, em Jesus, para encontrar esse fio de ouro que tudo une.

Fixando os olhos na imagem do Senhor Santo Cristo, parece que todos os tormentos da humanidade são Dele… mas também nossos. Não podemos ficar somente curiosos com as notícias e atribuição de culpas! Há muitos esforços de quem serve o bem comum e quer encontrar soluções, mas precisamos de uma inspiração e rumos novos ditados pelo Espírito Santo que nos envolvam a todos no serviço de proximidade a quem necessita. A coesão social depende muito dos bons vizinhos. Mais, no essencial, trata-se de amadurecer uma diversa visão antropológica já inscrita na humanidade de Cristo: passar de um eu individual e tendencialmente fratricida a um eu inclusivo e hospitaleiro; sair de um modo de viver concentrado sobre si mesmo para criar espaço dentro de si para o outro; deixar o eu monótono e altissonante para chegar a um eu sinfónico. Podemos assim construir um eu que aceita o seu limite e aceita mesmo deixar-se ferir pelo outro, pronto ainda a cuidar dele. Só então podemos falar de um “nós”, única Humanidade, porque Nova e Fraterna! O “Ecce homo” aponta ainda uma ética do infinito de que faz parte a aceitação do limite em vez de uma filosofia do sucesso e da eficiência que obriga à competição permanente, a uma lógica que exclui e mata o diferente e não produtivo. A cultura que manda ir além do limite esquece que, aí não há perfeição, mas antes desumanização. O Ecce Homo é um livro aberto onde se lê a necessidade de uma antropologia que integre a antropologia da perfeição com a antropologia do limite, pois Ele é o limitado e perfeito ao mesmo tempo. Quando o ser humano descobrir a graça contida no limite, então encontrará uma força irresistível para se superar e ir além de si mesmo. Unindo a dor do próprio limite à dor de Jesus, pode-se experimentar uma espécie de “alquimia divina” que faz brotar algo de positivo mesmo do negativo, como o amor da dor. Através do amor ao Senhor, o crente tem a possibilidade de entrar na dimensão inédita do amor maior e mais puro que permite chegar também à misericórdia e ao perdão. No “grito” de Jesus até à cruz, Ele revela à humanidade a lei paradoxal escondida no amor: para nascer é preciso morrer, para crescer é preciso perder, para chegar à plenitude do amor é preciso dar o limite a quem o pode transformar em pedra preciosa.

– Na segunda Leitura acompanhámos a alegria de Filipe que, numa cidade da Samaria começou a pregar o Messias. Filipe aparece como paradigma da Igreja em saída. As perseguições obrigavam os cristãos a fugir e a dispersarem-se por locais diferentes. Não foram desperdiçadas essas provas. Tornaram-se oportunidades e, com Cristo estampado na alma, apareciam novas comunidades à sua volta. Os nossos açorianos da diáspora bem lhe podem ser comparados. Levam consigo a sua fé e tradições cristãs. A mobilidade de hoje é oportunidade evangelizadora. A diversidade das culturas uma riqueza que nos torna mais católicos, mais universais. A Igreja nasceu a caminhar, sem “ocupar espaços”, como lembra o Papa Francisco na Evangelii Gaudium. A Igreja guarda o tesouro que é Cristo e o Seu Evangelho que nunca mudam, mas presta atenção aos seus destinatários que sempre mudam e pedem estilos evangelizadores novos. É isto que a torna Igreja em saída missionária e não fechada no autorreferencialismo.

– Finalmente, diz a Palavra de hoje que, após a conversão operada pela pregação de filipe, “houve muita alegria naquela cidade. Então impunham-lhes as mãos e eles recebiam o Espírito Santo”. Não basta a conversão, é preciso procurar razões para a esperança. Os apóstolos sabiam ir além do que lhes pediam e fazer descobrir o verdadeiro projeto de Deus inscrito no íntimo de quem pede. Deus é muito mais do que um mero pedido, uma missa ou um casamento; é muito mais que uma oração ou devoção ocasional, embora já lá está esteja! Os Apóstolos, ensinavam, impunham-lhes as mãos para comunicar o Espírito Santo e saciavam-lhes a Sua sede maior, a sede de Deus. É uma arte que os pastores e responsáveis devem desenvolver:  discernir e acompanhar itinerários de fé que cada vez são menos massificados e iguais para todos. Que o Senhor nos dê uma santa ambição cristã.

– «Jovem, Eu te ordeno: levanta-te». Hoje acrescento-lhe uma palavra mais: “Jovem, eu te ordeno levanta-te e corre”. “Levanta-te e corre” como Maria a caminho de Isabel que se levantou apressadamente e cheia do fogo do amor que ardia no seu seio. Um “corre” que é a pressa da Igreja em todos os tempos para levar Cristo a todos os cantos; um “corre” que é urgência da missão no mundo sem paz e sem justiça social. Jovens, ensinem-nos a correr e a desinstalar as nossas comunidades, mas, lembrai-vos, isto só se faz por dentro, não ficando fora. Já olhamos para os tempos que se seguirão à Jornada Mundial da Juventude em agosto, e o que poderemos fazer juntos. Peço, pedimos todos os Senhor Santo Cristo, que vos faça jovens generosos e cheios de projetos. Cristo precisa de vós! A Igreja e a sociedade precisam de vós! Seja louvado o Senhor Santo Cristo!

 

 

+ Armando, Bispo de Angra