Sé Catedral, em Angra.

A Palavra de Deus na Liturgia deste domingo da Ressurreição apresenta-nos três dimensões importantes para podermos fazer a experiência da ressurreição de Jesus Cristo.

A primeira tem a ver com as testemunhas que vão ao sepulcro e que anunciam este facto.

A narração que consta do Evangelho de S. João descreve dois grupos de pessoas. Um primeiro composto por uma só mulher a Maria de Magdala; por indicação deste vem um segundo grupo formado por Pedro e pelo discípulo que Jesus amava.

Maria de Magdala viu tão só que a pedra estava rolada e não viu o corpo de Jesus. Por seu lado, os dois discípulos viram as ligaduras enroladas e o lençol à parte. Termina a narração afirmando que «viu e acreditou»; porque, apesar de já terem ouvido falar a Jesus Cristo da Sua ressurreição, ainda não tinham entendido a Escritura segunda a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.

O mesmo anúncio aparece-nos no discurso de Pedro à multidão tal como nos é apresentado nos Actos Apóstolos. Aí o Apostolo testemunha que Jesus a quem tinham dado a morte suspendendo-o no madeiro ressuscitou e acrescenta que o próprio Jesus os mandou pregar esta novidade segunda a qual Jesus foi constituído Juiz dos vivos e dos mortos.

Relacionada com esta dimensão deparamo-nos com uma outra e que diz respeito a ser testemunha. Aquele que viu, acreditou e tornou-se testemunha deste facto.

O Evangelho dá-nos conta desta corrente testemunhal. Maria de Magdala é testemunha perante os apóstolos do que viu; Pedro e o outro discípulo são testemunhas do que verificaram e como estes sinais os despertam para a fé no Ressuscitado. Só agora compreendem o que Jesus Cristo lhes tinha dito durante a Sua vida terrena e o que a Ele se referia nas Escrituras.

Mas o testemunho torna-se evidente na proclamação feita por Pedro na primeira leitura dos Actos dos Apóstolos. Aí ele afirma «nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos Judeus e em Jerusalém. Ele a quem deram a morte suspendendo no madeiro, Deus ressuscitou-O ao terceiro dia». Acrescenta o texto que nem todos O puderam ver mas tão só aqueles que tinham sido escolhidos por Deus.

Diz Pedro «a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos».

Sentimos aqui um convite a fazer a experiência do Ressuscitado na convivência comunitária tendo como centro a Eucaristia. Só deste modo é possível viver o dinamismo da ressurreição de tal modo que leve a tornar-se testemunha do encontro com Cristo vivo.

A terceira dimensão diz respeito à nossa participação na Vida Nova de Cristo Ressuscitado. A partir do encontro com Cristo Vivo, a nossa vida toma um outro sentido e novos objectivos. Já não estamos sujeitos ao pensar e ao agir segundo os ditames terrenos, pelo contrário, abriu-se para nós um horizonte novo que nos faz sentir e viver desde agora a experiência de encontro definitivo com Deus.

Pelo baptismo fazemos a experiência de morrer com Cristo para com Ele ressuscitar. Daí o convite de Paulo «aspirai às coisas do alto». Começamos desde já a participar da glória de Cristo.

Eis o contraste entre os raciocínios e projectos mundanos e os verdadeiros valores que devem nortear a vida do discípulo de Jesus Cristo.

A Ressureição introduziu uma novidade na história dos homens que se traduz pela vida em Cristo e nela à experiência do amor, da entrega, da misericórdia, do bem, da verdade, da beleza sempre eterna, da liberdade entendida como a realização da vocação de cada pessoa escutando o chamamento divino.

Como é contrastante a forma pela qual a cultura actual entende a vida e a expressão da liberdade pessoal. Cada um fechado em si mesmo, no individualismo, na procura do seu prazer mesmo á custa dos outros, na livre acção nem que para isso tenha de eliminar aqueles que reclamam pela minha colaboração, o sofrimento fica sem sentido porque lhe falta o amor e a morte torna-se tabu porque lhe falta a ressurreição para lhe projectar a luz da vida nova. O moderno acaba por se transformar na idolatria do individualismo.

Urge ser anunciadores e testemunhas da Ressurreição de Jesus Cristo ao homem de hoje. A cultura actual necessita do fermento da Vida nova do Ressuscitado para se tornar autenticamente humana.

Porque «se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida» (EG , 49).

Diz-nos o Evangelho que tanto Maria de Magdala como os Apóstolos correram a anunciarem esta noticia da Ressurreição. É a mesma disposição que a Palavra de Deus quer colocar em cada um de nós e em cada comunidade.

É tão entusiasmante e motiva-nos tanto na alegria o facto de encontrarmos a Jesus Cristo Ressuscitado que não podemos ter outro passo senão correr; mas também é tão necessário levar este testemunho aos nossos contemporâneos que não pode esperar; a missão de anunciar a Jesus Cristo Vivo e Ressuscitado é tão urgente que nos impele a correr ao encontro dos nossos irmãos.

O itinerário que nos é descrito pela Palavra de Deus é o mesmo que hoje deve ser assumido por cada um dos cristãos para verdadeiramente fazer a experiência de Cristo Vivo.

Como refere o Papa Francisco na sua Exortação Apostólica «a Alegria do Evangelho», «um anúncio renovado proporciona aos crentes, mesmo tíbios ou não praticantes, uma nova alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora» (nº 11).

Dado que, na realidade, o seu centro e a sua essência são sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado; Ele torna os seus fiéis sempre novos; ainda que sejam idosos, «renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 31). Cristo é a «Boa Nova de valor eterno» (Ap 14, 6), sendo «o mesmo ontem, hoje e pelos séculos» (Heb 13, 8), mas a sua riqueza e a sua beleza são inesgotáveis. Ele é sempre jovem, e fonte de constante novidade (cfr. ib., 11).

Assim podemos reconhecer com o Papa Francisco que «a alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária» (EG, 21); e que «a intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão «reveste essencialmente a forma de comunhão missionária» (ib., 23).

Fazer a experiência do Ressuscitado implica a missão.

Diz-nos ainda o Papa Francisco que «quando se assume um objectivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem excepções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário». Só deste modo, «a proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa» (ib., 35).

Dado que «todas as verdades reveladas procedem da mesma fonte divina e são acreditadas com a mesma fé», contudo, «algumas delas são mais importantes por exprimir mais directamente o coração do Evangelho». Assim, «neste núcleo fundamental, o que sobressai é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado» (ib., 36).

Com o jubilo do anuncio da ressurreição de Jesus Cristo encaremos o nosso mundo e reconheçamos que é urgente dispormo-nos a ser testemunhas desta verdade que nos encanta e nos dá sentido para que os nossos irmãos que ainda vivem na morte do seu individualismo e sem expressão para as suas grandes angústias que os ameaçam possam também viver a alegria do Ressuscitado.

Imploremos de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que acompanha a vitória do Seu Filho sobre a morte, que abençoe as nossas famílias, crianças, jovens, presos,  idosos e doente, excluídos e que vivem na diáspora e nos encaminhe pelas sendas que levam à evangelização do mundo de hoje.

Amen!

 

+João Lavrador

Bispo de Angra e Ilhas