Igreja Paroquial Nossa Senhora de Fátima. Ponta Delgada.
Juntamo-nos hoje nesta celebração da Eucaristia para celebrar a ressurreição de Jesus Cristo que se torna presente como alimento para a nossa vida todas as vezes que fazemos memória da Ceia Pascal, mas incorporamos nesta mesma celebração a acção de graças pelo curso que termina para a maioria de vós que aqui, no gesto da Benção das vossas Pastas, quer também pedir a ajuda de Deus para a vida profissional que agora pretende iniciar.
A Palavra de Deus que é sempre luz e inspiração para a nossa existência convida-nos a contemplarmos a Jesus Cristo Vivo, Ressuscitado na figura do Bom Pastor.
É uma imagem que Jesus quis chamar a si mesmo para iluminar a forma pela qual Ele se relaciona com cada pessoa e com cada discípulo. Mas é antes de mais a identificação de Jesus Cristo na manifestação da Sua divindade com a Pessoa do Pai.
Na verdade já no Antigo Testamento, o Povo Biblico reconheceu que uma das imagens mais eloquentes para se referir a Deus que cuida, que trata, que está atento e se entrega pelos seus filhos, é a de Bom Pastor.
Vem-nos à lembrança o salmo 23 que diz «o Senhor é meu Pastor, nada me falta», ou ainda o salmo 79 que reza o seguinte: «Pastor de Israel, escutai, Vós que conduzis José como um rebanho».
Por isso, no Evangelho Jesus Cristo ao mesmo tempo que refere esta relação profunda de amor e comunhão que quer estabelecer com aqueles que desejam ouvir a Sua voz sublinha que «Eu e o Pai somos um só».
Através desta imagem do Bom Pastor reconhecemos não só a comunhão de vida que se estabelece entre Jesus Cristo e os seus discípulos, todos os baptizados, integrados na comunidade cristã, mas também o Seu desejo de ir ao encontro de todos os que ainda não O conhecem e têm necessidade de se encontrarem com Ele para decifrarem o enigma da sua existência e usufruírem do sentido pleno para a sua vida.
Deste modo, deparamo-nos com o episódio que leva Paulo e Barnabé a decidirem-se não só a evangelizar no meio do Povo Eleito, mas a voltarem-se para os povos pagãos que ao contrário da revolta dos Judeus, se enchiam de alegria e glorificavam a Palavra do Senhor.
Também no texto da segunda leitura do livro do Apocalipse escutámos que aqueles que se apresentaram junto do Cordeiro, referindo-se a Jesus Cristo glorificado, são «uma grande multidão que ninguém pode contar de todas as nações, tribos, povos e línguas».
Tudo isto não por qualquer pretensão de proselitismo, mas somente para responder aos anseios mais profundos do coração do homem e que estão bem expressos nas palavras de Santo Agostinho que dizem «fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não repousa em Ti».
Por isso, o Concilio Vaticano II eloquentemente sublinha que «na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente» (GS, 22).
Na verdade a Igreja na sua intenção de servir a pessoa humana e consciente da visão redutora que a cultura dos últimos séculos projectou sobre o homem, sublinha que ela «sabe perfeitamente que, ao defender a dignidade da vocação do homem, restituindo a esperança àqueles que já desesperam do seu destino sublime, a sua mensagem está de acordo com os desejos mais profundos do coração humano». E, ainda, realça que «longe de diminuir o homem, a sua mensagem contribui para o seu bem, difundindo luz, vida e liberdade; e, fora dela, nada pode satisfazer o coração humano» (GS, 21).
Caros finalistas, estais a terminar o vosso curso, deveis estar gratos à vossa família, reconhecidos à universidade que vos acolheu e aos professores que vos orientaram, e com sentida amizade com os vossos colegas que vos acompanharam ao longo do vosso percurso académico. Certamente sentis a saudade da partida e a incerta sobre o vosso futuro, mas deveis estar seguros que tendes à vossa frente uma sociedade de homens e mulheres a reclamarem pelos valores que edificam a pessoa humana na verdade, na justiça, no bem, na beleza, no amor e na paz; situais-vos numa cultura de assimetrias e de exclusões, na qual a vida não é dignificada e o serviço à pessoa e à comunidade ainda não atingiu um patamar desejável.
Com o panorama que se coloca à vossa frente não só se exige um suplemento de esperança que tem de brotar de uma confiança e um fundamento que tem de vir de Deus e que se projectará através de vós no mundo em que ireis exercer a vossa actividade, mas também uma opção firme por valores que sendo necessários para a justa convivência social e para edificação de uma cultura digna do ser humano exigem uma atitude de serviço total ao bem comum privilegiando os mais frágeis e excluídos.
Permitam-me que recorde um parágrafo do discurso do Papa Francisco, pronunciado em Setembro passado nas Nações Unidas e que diz o seguinte: «o desenvolvimento humano integral e o pleno exercício da dignidade humana não podem ser impostos; devem ser construídos e realizados por cada um, por cada família, em comunhão com os outros seres humanos e num relacionamento correcto com todos os ambientes onde se desenvolve a sociabilidade humana – amigos, comunidades, aldeias e vilas, escolas, empresas e sindicatos, províncias, países, etc».
Refere ainda que «isto supõe e exige o direito à educação (…) que é assegurado antes de mais nada respeitando e reforçando o direito primário das famílias a educar e o direito das Igrejas e das agregações sociais a apoiar e colaborar com as famílias na educação das suas filhas e dos seus filhos».
Recorro ainda a uma outra passagem do mesmo discurso que muito nos pode ajudar a iluminar a nossa acção de futuro que estará também nas vossas mãos. Diz ele que «a casa comum de todos os homens deve continuar a erguer-se sobre uma recta compreensão da fraternidade universal e sobre o respeito pela sacralidade de cada vida humana, de cada homem e de cada mulher; dos pobres, dos idosos, das crianças, dos doentes, dos nascituros, dos desempregados, dos abandonados, daqueles que são vistos como descartáveis porque considerados meramente como números desta ou daquela estatística».
Mais ainda, «a casa comum de todos os homens deve edificar-se também sobre a compreensão duma certa sacralidade da natureza criada».
Deste modo, pedia a vossa atenção, «tal compreensão e respeito exigem um grau superior de sabedoria, que aceite a transcendência, própria de cada um, renuncie à construção duma elite omnipotente e entenda que o sentido pleno da vida individual e colectiva está no serviço desinteressado aos outros e no uso prudente e respeitoso da criação para o bem comum».
É muito elucidativa para a nossa missão a figura do Bom Pastor. Ela atribui-se a todos os que têm responsabilidades na orientação da comunidade cristã, mas ela é modelo também para os pais e para todos os educadores.
Por isso, permitam-me que lace este meu apelo: assumi para vós e para o vosso exercício profissional, qualquer que ele seja, os dinamismos da figura do Bom Pastor que dá a vida pelos que estão connosco, mas também no desejo de abraçar a todos os que ainda não se encontraram com a dignidade humana a que são chamados.
Os verdadeiros valores que devem dar consistência à sociedade e à cultura actuais não podem prescindir da presença de Deus na esfera pública.
Paulo VI, em 1965, também perante as Nações Unidas, dizia que «o edifício da civilização moderna deve construir-se sobre princípios espirituais, os únicos capazes não apenas de o sustentar, mas também de o iluminar e de o animar».
Já o Papa Bento XVI afirma que «longe de Deus, o homem vive inquieto e está mal» (CinV,76); e ainda, que «não há desenvolvimento pleno nem bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, consideradas na sua totalidade de alma e corpo» (ib.).
Para vós que ireis intervir na sociedade e com o sonho de construir um mundo novo deveis assumir que face aos dramáticos problemas com que nos enfrentamos, «razão e fé ajudam-se mutuamente; e só conjuntamente salvarão o homem: fascinada pela pura tecnologia, a razão sem a fé está destinada a perder-se na ilusão da própria omnipotência, enquanto a fé sem a razão corre o risco do alheamento da vida concreta das pessoas»(CinV.,74).
Termino implorando de Nossa Senhora Mãe e Rainha dos Açores que vos abençoe nesta hora tão bela das vossas vidas e que vos acompanhe no vosso futuro para que os vossos sonhos se concretizem e que a sociedade sinta a frescura reconfortante da vossa actuação.
Parabéns e muitas felicidades!
Amen.
+João Lavrador
Bispo de Angra e Ilhas