Sé Catedral. Angra.

          Na figura do Beato João Baptista Machado, martirizado há 400 anos no Japão, celebramos a permanente entrega de Jesus Cristo através dos Seus discípulos, nos diversos contextos históricos, sociais e culturais.

          No Evangelho que acabamos de escutar, Jesus Cristo faz referência a este tempo que separa a Sua entrega e a Sua vinda descrevendo-o como lamentação e choro para os discípulos e de alegria para o mundo; mas uma vez que Ele venha na Sua glorificação e projecte a luz nova de ressuscitado sobre os Seus Apóstolos, então, tudo se transformará, e o seu coração se alegrará.

          É muito eloquente e bela a imagem que usa para falar desta perplexidade e inversão de sentimentos, recorrendo à mulher que dá à luz que esquece os sofrimentos quando tem nos seus braços o fruto das suas entranhas.

          Esta mesma comparação é usada por S. Paulo na carta aos Romanos quando diz: «estou convencido de que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que há-de revelar-se em nós. Pois até a criação se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus. De facto, a criação foi sujeita à destruição – não voluntariamente, mas por disposição daquele que a sujeitou – na esperança de que também ela será libertada da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus. Bem sabemos como toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente» (Rom., 8, 18 – 22).

          Qualquer que seja o sofrimento, iluminado pela páscoa de Jesus de Nazaré, encaminha-nos para a glorificação e para a experiência de encontro com Jesus Cristo que nos faz participantes da Sua Vida de Ressuscitado.

          Tal como, em Jesus de Nazaré a Sua presença motivou a reacção daqueles que se confrontaram com a Sua Palavra e com os Seus gestos salvadores, de igual modo virá acontecer com os seus discípulos. Um dos exemplos que nos é apresentado na primeira leitura é de Paulo que confrontado com a ameaça dos seus concidadãos recebe o incentivo divino que o exorta dizendo: «não temas, continua a falar, que Eu estou contigo».

          Perante uma sociedade confusa e delirante, diz-nos o texto sagrado que Paulo se demorou ainda algum tempo e depois seguiu para outras paragens para continuar a proclamar a Boa Nova de Jesus Cristo.

          Do mesmo modo e assente nos mesmos fundamentos da fé em Jesus Cristo e imitando a Sua Páscoa, estamos hoje a celebrar os quatrocentos anos do martirio do Beato João Baptista Machado, Padroeiro da nossa diocese.

          Nascido e baptizado em Angra, em 1580, ingressou na Companhia de Jesus e foi ordenado sacerdote em Goa. Enviado para o Japão juntamente com outros companheiros, aí receberia a coroa do martírio a 22 de Maio de 1617, sendo beatificado pelo Papa Pio IX, em 1867.

          Estamos perante o desafio do martirio e da santidade. Usando as palavras de S. João Paulo II, podemos afirmar que «em primeiro lugar, não hesito em dizer que o horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade»(NMI, 30). Por isso, «professar a Igreja como santa significa apontar o seu rosto de Esposa de Cristo, que a amou entregando-Se por ela precisamente para a santificar (cf. Ef 5,25-26)»(Ib.).  Deste modo, «este dom de santidade, por assim dizer, objectiva é oferecido a cada baptizado»(Ib.).

          Nesta celebração e correspondendo às exigências conciliares quando se refere à vocação universal à santidade, reconhecemos como muito oportunas e necessárias as palavras do Papa S. João Paulo II que orientam a missão da Igreja neste novo milénio. Diz ele: «é hora de propor de novo a todos, com convicção, esta “medida alta” da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direcção» (Ib.31).

E, clarificando o significado desta exigência refere que «é claro também que os percursos da santidade são pessoais e exigem uma verdadeira e própria pedagogia da santidade, capaz de se adaptar ao ritmo dos indivíduos; deverá integrar as riquezas da proposta lançada a todos com as formas tradicionais de ajuda pessoal e de grupo e as formas mais recentes oferecidas pelas associações e movimentos reconhecidos pela Igreja» (Ib., 31).

Toda a pessoa que marca o seu tempo pela pedagogia da santidade ultrapassa a sua época e é testemunha em todos os tempos. Deixemo-nos tocar pela santidade do Beato João Baptista Machado e percorramos como ele os desafios que nos levam a viver em Cristo.

No nosso Padroeiro juntam-se a santidade com o martirio. Na verdade estas duas vocações estão unidas. Por isso a vida cristã, de discípulos de Jesus Cristo comporta a imitação do Mestre, dando a vida, entregando-a, despojando-se de si mesmo para viver em Cristo e para os irmãos.

A missão evangelizadora dos baptizados comporta o sacrifício de si mesmo. Di-lo S. Paulo quando afirma: «trazemos sempre no nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo; estando ainda vivos, somos a toda a hora entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na nossa carne mortal. Deste modo, em nós opera a morte e em vós a vida» (2Cor. 4, 10-12).

A Igreja tem por missão evangelizar. Hoje, estamos comprometidos com a nova evangelização. Esta exigência vem do facto de estarmos perante uma sociedade e uma cultura que se afastou de tal modo de Deus e da experiência de vida cristã que se torna urgente anunciar a Jesus Cristo como se fosse pela primeira vez.

Neste sentido, a missão evangelizadora que levou o Beato João Baptista Machado até ao Japão oferecendo àquele povo o Evangelho e da qual resultou um confronto que o levou ao martirio deve ser inspirador para a missão evangelizadora nos nossos tempos em que novos ídolos e poderes desafiam a missão do discipulo de Jesus Cristo.

Ter audácia, coragem, serenidade e capacidade de diálogo exige uma personalidade cristã bem fundamentada e enraizada em Cristo de modo a responder evangelicamente aos desafios que são lançados aos cristãos.

S. João Paulo II, referindo-se à Europa tão carecida de esperança exorta-nos dizendo que as testemunhas «que enfrentaram a prova do martírio, são um sinal eloquente e grandioso, que somos chamados a contemplar e imitar». Porque «atestam-nos a vitalidade da Igreja; apresentam-se como luz para a Igreja e a humanidade, porque, nas trevas, fizeram brilhar a luz de Cristo» (EE, 13).

Dado que nesta nossa celebração terá lugar a tomada de posse dos novos Vigários Episcopais, quero expressar o meu vivo reconhecimento por este serviço pastoral que irão desempenhar na diocese e o precioso contributo que darão na dinamização da nossa Igreja diocesana nos seus diversos sectores de actividade pastoral. Agradeço a vossa disponibilidade e a vossa fidelidade à Igreja para seguirdes as determinações que orientam o vosso ministério de Vigários Episcopais e que estão presentes no decreto de nomeação.

A celebração de hoje torna-se para nós força para caminharmos nas sendas da evangelização do mundo actual.

Imploro do Beato João Baptista Machado as suas graças e bênçãos para que, com os seus auxílios, possamos caminhar decididamente no testemunho verdadeiro de Jesus Cristo no meio da sociedade e da cultura actuais.

Amen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores