Matriz. Ponta Delgada.

Esta celebração é de riquíssimo significado. Estamos a celebrar a solenidade do Sagrado Coração de Jesus, isto é, o amor infinito de Jesus Cristo que do Seu lado aberto faz nascer a Igreja e a alimenta com os seus Sacramentos; e integrados nesta celebração, estamos em Igreja Diocesana, nomeadamente no seu presbitério a dar Graças a Deus pelos sacerdotes que neste ano celebram os seus 25, 50 e 60 anos da sua ordenação sacerdotal.

É muito louvável a iniciativa que vem de S. João Paulo II de dedicar esta Solenidade à Consagração dos Sacerdotes. Na verdade toda a Liturgia da Palavra nos centra no amor, nos convida a contemplar a Cristo que abre o Seu coração para derramar a Sua vida sobre a comunidade cristã e a missão de evangelizar acompanhando os nossos irmãos de modo que pelo nosso exemplo e pela nossa palavra se encontrem com Jesus Cristo.

Logo na primeira Leitura somos confrontados com a belíssima meditação do profeta Oseias onde nos revela o rosto tão humano e terno de Deus que se pode comparar a um pai ou a uma mãe que está presente em todas as situações da vida dos seus filhos para lhes revelar o Seu grande amor. Daí as deliciosas expressões «já eu o amava», «chamei-o para que saísse do Egipto»; «fui eu que o ensinei a caminhar e o tomei nos meus braços; inclinava-me para lhes dar de comer; «o Meu coração agita-se dentro de Mim».

Importa interiorizarmos estas palavras que revelam a ternura, a bondade, o amor e a compaixão de Deus para com o Seu Povo, e naturalmente por nós, porque, então reconheceremos a profundidade do mistério que brota da Páscoa de Jesus Cristo tal como nos é apresentado no Evangelho.

Perante o lado aberto de Jesus de Nazaré, o apóstolo que contempla o sangue e a água que jorram do Seu coração afirma que «quem viu é que o atesta, e o seu testemunho é verdadeiro». A Igreja que nasce do lado aberto de Jesus Cristo necessita de quem contemplando este facto seja dele testemunha.

Caros sacerdotes esta é a nossa maior glória. Fomos convidados a ser à maneira dos apóstolos para nos tornarmos dignos de contemplar o nascimento permanente da Igreja. Somos conduzidos até às fonte donde dimana a Graça que faz surgir permanentemente a comunidade cristã e a alimenta com os seus sacramentos.

E, acrescenta o texto evangélico «quem o viu é que diz a verdade para  vós acreditardes também». Eis a exigência que nos é colocada no nosso ministério sacerdotal à maneira dos apóstolos. Teremos de retirar de nós tudo o que impede de ver este acontecimento originário da vida cristã; teremos de nos deixar conduzir pela luz do Espirito que nos ilumina e nos conduz à verdade total para, na comunhão de vida com Jesus Cristo, sermos testemunhas autênticas do Seu mistério Pascal.

Com esta experiência fundante do nosso ser sacerdotal, poderemos também dizer com Paulo que embora sintamos as nossas fraquezas foi-nos dada a graça de anunciar aos povos pagãos as insondáveis riquezas de Cristo e «de tornar bem claro aos olhos de todos como se realiza o mistério escondido desde sempre em Deus». Esta revelação é feita hoje através da Igreja.

No contexto de uma cultura neo-pagã o exemplo e a palavra de Paulo são eloquentes e pedagogicamente importantes. Na verdade, com o afastamento de Deus por parte do homem actual, gerou-se uma nova religião de tonalidade pagã. Por isso, também nós somos confortados pela mesma presença do Espirito que nos fortificará de tal modo que Cristo habitará nos nossos corações para que, em comunidade cristã, saibamos compreender a profundidade do mistério de Deus e da Sua revelação.

Caros sacerdotes, estamos aqui para darmos graças a Deus pelos sinais de amor que Ele manifestou ao longo destes anos de exercício pastoral; estamos aqui para reconhecer perante Jesus Cristo a Sua graça que nos conduziu na fidelidade ao amor e ao compromisso alegre e feliz da primeira hora; estamos aqui para nos abrirmos à acção do Espirito de Deus que tudo renova para nos lançarmos com redobrado entusiasmo na missão evangelizadora da Igreja no contexto do mundo de hoje.

O Espirito Santo dotou a Igreja de uma grande graça que foi o Concilio Vaticano II. Todos nós somos sacerdotes que absorvemos a doutrina conciliar com entusiasmo.

Cada Concilio, pela sua riqueza, profundidade e abrangência, não está completo com o seu encerramento, muito pelo contrário. As etapas seguintes na sua recepção são igualmente importantes e merecem o maior cuidado e atenção. Nós estamos numa dessas etapas que se revela muito exigente porque as mudanças que se efectuaram na cultura e na sociedade foram de tal alcance que parece que a Igreja tem dificuldade em responder-lhes.

É precisamente neste contexto que se exige um aprofundamento da doutrina conciliar no que ela tem de maior nobre e rico. Não podemos ficar pela rama mas ir ao essencial da proposta evangelizadora do Concilio.

Tem-nos ajudado muito o magistério riquissimo dos Papas do Concilio e do Post-Concilio. Exige-se-nos estarmos despertos e com sentimentos de comunhão eclesial de tal modo que possamos captar as propostas que deles nos vêem para a Igreja.

Estou a fazer convosco esta reflexão porque, dando graças Deus pelos anos passados, somos chamados a olhar o presente o futuro da nossa Igreja diocesana e a continuarmos a oferecer o melhor de nós mesmos para a sua edificação e para a sua missão evangelizadora no contexto do mundo actual.

O Papa Francisco insiste muito com os sacerdotes na sua proximidade com as pessoas em ordem a uma verdadeira evangelização. Neste sentido lembremos as palavras que o Papa dirigiu aos sacerdotes na última missa crismal. Dizia ele: «o sacerdote vizinho, que caminha no meio do seu povo com proximidade e ternura de bom pastor (e, na sua pastoral, umas vezes vai à frente, outras vezes no meio e outras vezes ainda atrás), as pessoas não só o veem com muito apreço; mas vão mais além: sentem por ele qualquer coisa de especial, algo que só sentem na presença de Jesus».

E, acrescenta «por isso, reconhecer a nossa proximidade não é apenas…mais uma coisa».  Na verdade, «nisso se decide se queremos tornar Jesus presente na vida da humanidade ou se, pelo contrário, O deixamos no plano das ideias, encerrado em belas letras, quando muito encarnado nalgum bom hábito que pouco a pouco se torna rotina».

Caros sacerdotes que estais na alegria a celebrar as vossas festas jubilares, quero em nome da diocese, do nosso presbitério e de mim próprio dar-vos uma palavra de gratidão pelo que fazeis na vida pastoral, pelo vosso esforço e coragem, mas sobretudo pelo vosso testemunho de ser sacerdotal de comunhão com Jesus Cristo e de comunhão em presbitério.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, Mãe dos sacerdotes que vos acolha no seu regaço, vos faça alcançar todas as Graças do Seu Filho Jesus Cristo e vos conduza pelos caminhos da evangelização do mundo de hoje.

 

Amen

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores