Matriz. Ponta Delgada.

Por decisão do Papa Francisco celebramos o Ano “Família Amoris Laetitia”, que teve início a 19 de março de 2021 e termina hoje, por ocasião do encerramento X Encontro Mundial das Famílias. Estamos em comunhão de famílias e de Igrejas Locais em todo o mundo, e com o Santo Padre que preside em Roma ao encerramento deste encontro.  Na Matriz de Ponta Delgada, em nome da Diocese e Angra, através do Serviço da Pastoral Familiar e do Apostolado Laical, damos graças ao Senhor por todas as famílias que se juntam aqui, nas outras igrejas dos Açores, nas suas dioceses e em Roma, formando uma multidão feliz e alegre, ampliada por outras tantas que seguem estas celebrações de Roma e de Ponta Delgada,  através da rádio e da televisão. A todas as famílias açorianas quero saudar neste dia, que me remete para o 26 de junho de 1988, o dia feliz da minha ordenação sacerdotal.

A passagem do Evangelho que acabamos de ler convida-nos a levar a sério a reflexão que fizemos sobre a vocação das nossas famílias. Assim como Jesus, também nós somos chamados a tomar uma “firme decisão” de tomar um caminho novo. «Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da sua vida. Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (DCE 1), assim se exprimiu o papa Bento XVI ao falar sobre o amor que tem a sua melhor expressão no seio familiar.

Como toda realidade eclesial, a família também é chamada a não viver numa autorreferencialidade, mas a adotar um caminho de saída. O Senhor Jesus adverte-nos: «Quem quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me».  No Evangelho de hoje, parece que Jesus tem palavras muito duras e antepõe o seguimento ao dever de sepultar os próprios pais. Com isso, quer dizer que até aquilo que temos de mais precioso murcha se não for implantado nele, numa dinâmica de saída e anúncio da Sua presença.  Fica também claro que não devemos fazer mal ou destruir aqueles que são diferentes de nós. A urgência é a de anunciar o Reino e fazer o bem.

O Papa Francisco disse-nos: que “Precisamos de cônjuges ao lado de pastores, para caminhar com outras famílias, para ajudar os mais fracos, para anunciar que, até nas dificuldades, Cristo se faz presente no Sacramento do matrimônio para dar ternura, paciência e esperança a todos, em qualquer situação de vida.” O nosso “ser família” – esposos, filhos, netos, avós, irmãos e irmãs – é um recurso para a nossa comunidade eclesial. Ter aprendido a amar-se uns aos outros, na escola que foram e são as nossas famílias, ajuda-nos a compartilhar o nosso amor com os que estão ao nosso redor, e a ser testemunhas para os que mais têm dificuldade.

Não guardemos escondido o tesouro do nosso amor! Partilhemo-lo com os que vivem ao nosso redor e que precisam tanto! Que cada família cristã busque – entre os vizinhos de casa, no seu bairro, entre os colegas da escola dos filhos, etc. – uma família em dificuldade, um idoso sozinho, uma criança que precisa de ajuda. Cuidemos deles de maneira materna e paterna, carinhosa e concretamente:  façamos deles parte da nossa família. Assim, alargaremos as portas do nosso coração e deixaremos que o amor que recebemos permeie o mundo ao nosso redor.

O Papa Francisco quis descrever a sua perspetiva de um mundo renovado pela proclamação do Evangelho com uma imagem familiar: Fratelli tutti. Todos irmãos. Com efeito, o mundo precisa encontrar uma fraternidade nova, e a família é o ginásio onde todos podem aprender a viver esse sentimento. De facto, pela prática do desporto, que é tão do gosto das novas gerações e tão necessária para os mais velhos, aprendemos grandes lições.

«Dar o melhor de si é um tema fundamental do desporto, uma vez que os atletas se esforçam individual e coletivamente para conseguir os seus objetivos no jogo. E quando a pessoa dá o melhor de si, experimenta a alegria do dever cumprido”. Assim começa o último documento da Igreja dedicado ao fenómeno desportivo para apresentar as marcas que devem definir essa atividade humana, felizmente visível em tantos atletas e equipas, como sejam a expressão do corpo, alma e espírito, do indivíduo e da equipa; desenrolar-se com criatividade, liberdade e regras; resultar do sacrifício; gerar alegria, harmonia, valentia, igualdade, respeito, solidariedade; e ser expressão da procura do sentido para a pessoa.

Sentimos forte a necessidade de paternidade e maternidade, ou seja, a necessidade que os cristãos assumam, assim como fazem os pais com os filhos, a responsabilidade face a sociedades que parecem estar a desmoronar cada vez mais e onde há pessoas desorientadas, alienadas e destruídas à busca de um sentido para a vida. Cristo é o sentido único, e por isso obrigatório.

O ensinamento prático do evangelho de hoje ao desapego, à firmeza, à fidelidade, ao seguimento de Jesus e à causa do Reino de Deus, favorece a pessoa para «a verdadeira liberdade para que Cristo nos libertou». Em Cristo e no seu Espírito Santo somos chamados à liberdade, mas apesar de tantas conquistas de direitos, liberdades e garantias facilmente caímos em novas e sofisticadas formas de escravidão, a filha da mais velha da idolatria. A mesma leitura apela a que «pela caridade nos coloquemos ao serviço uns dos outros». Ora, o primeiro lugar em que fazemos diariamente esta experiência é dentro da família, e a partir dela para fora. A família é a imagem da Santíssima Trindade no que é dentro e no que é para fora.

A ideia ingénua e ilusória de que se faz uma escolha linear para toda a vida, seja na opção por Jesus Cristo e pelo seu seguimento, seja no matrimónio e na constituição e construção de uma família, sem dificuldades e obstáculos, em que tudo segue em conformidade com o plano inicial, deve ser substituída pela ideia de que nada existe de mágico ou predestinado nas escolhas ainda que livres e para toda a vida.

Ora, isso não nos dispensa de escolher de novo, conforme diz Jesus no anúncio da Paixão, para recomeçar e prosseguir o caminho: «quem quiser ser meu discípulo renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me». Então, é preciso renovar os motivos, a causa, a razão da escolha, à medida que se cresce e evolui, sempre com o esforço de discernir, refletir e arriscar. Se para Cristo viver é perder, há sempre que morrer a algo para ressuscitar para o homem novo, tal como quando nascemos, quando saímos de casa dos pais para um novo projeto de vida e quando morrermos.

Jesus, desde o nascimento até à morte, está no seio de uma família, passa a vida a apoiar famílias, até ressuscitar mortos, mas não faz dela um absoluto. Com Ele aprendemos a relativizar muitas coisas. Jesus estabelece novas relações com o Pai, com os discípulos e com os pobres. As exigências do Reino cumprem-se nos laços familiares, mas o estilo e o amor experimentados numa família dilatam-se para fora dela.

Assim uma família cristã marcada pelo evangelho e pela graça de Deus supera os desejos desmesurados promovidos pela sociedade de consumo, respeita a criação e a casa comum, não se fecha no interior exclusivo dos seus membros, supera as relações de domínio, agressividade, abusos ou violência; desenvolve a capacidade de resistência, de perdoar, de ser compassivo, da aceitação do sofrimento e da morte;  reconhece a paciência como uma propriedade do amor, exercita a convivência a partir do diálogo e da comunicação; é lugar de participação ativa dos seus membros nos vários  âmbitos de realização e respeita as diferenças uns dos outros, quando o amor e a verdade os une a todos e se impõem.

Gostava de testemunhar a experiência alargada, alegre e feliz que um grande número de jovens açorianos experimentou nas nove ilhas, durante o último mês, a pretexto da presença em todas as ouvidorias dos símbolos mundiais da juventude, isto é, da cruz do Salvador e do ícone da Virgem Maria que João Paulo II entregou aos jovens, sendo hoje a celebração de despedida no Campo de São Francisco, junto ao Senhor Santo Cristo.

Na verdade, não há família sem jovens, nem jovens sem família. Por isso, ainda que a horas diferentes, na mesma cidade, queremos fazer destas duas celebrações uma única, em dois tempos. Esta, para marcar o encerramento do Encontro Mundial das Famílias; logo à tarde, para dar início às Jornadas Mundiais da Juventude que terão lugar em Lisboa, de 1 a 6 de agosto de 2023, com a presença do Santo Padre, em que os jovens açorianos dos 14 aos 30 anos são convidados a participar. Aí experimentaremos o amor de Deus para connosco, uns para com os outros, e alegria de sermos discípulos missionários de Jesus, participando nos seus sofrimentos e sobretudo nos bens que Deus tem preparado para aqueles que O amam.

 

Hélder, Administrador Diocesano de Angra