Sé Catedral de Angra.

Com a longa narração da paixão de Jesus de Nazaré e com a evocação da Sua entrada em Jerusalém, damos inicio à semana santa, durante a qual celebraremos a entrega, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo.

Em pleno ano jubilar da Misericórdia, estamos mais despertos para contemplar o mistério da entrega de Jesus, o Filho eterno do Pai e por isso, o rosto da misericórdia de Deus. Este é verdadeiramente o caminho da misericórdia com o qual o Pai quer oferecer-nos a plenitude do Seu amor, da Sua bondade e da Sua Misericórdia.

A liturgia começa por nos apresentar, na linguagem de Isaias, a figura do servo que fala como um discípulo, e na mesma condição escuta todas as manhãs. Tratando-se de uma profecia que antecipa o que em Jesus de Nazaré se veio a realizar, – Ele, sim, veio na atitude de despojamento e de serviço,- ela coloca-nos perante o mundo a necessitar de redenção e por isso desafiando-nos a empreendermos um caminho de discipulado na escuta e no falar, anunciando as palavras que só de Deus nos podem vir, porque só Ele tem palavras de vida eterna.

Para nos servir de exemplo, Jesus Cristo, é apresentado no Hino aos Filipenses como aquele que tendo a mesma igualdade e dignidade com Deus, se aniquilou. É deste modo que S. Paulo descreve o Mistério da encarnação de Jesus de Nazaré que implica também o Mistério Pascal.

A exaltação de Jesus Cristo é precedida pelo Seu aniquilamento, pela Sua condição de servo, pela Sua humilhação, pela Sua obediência á morte e morte de Cruz.

Nunca é demais penetrarmos neste mistério e neste caminho para não só contemplarmos o Jesus total, tal como a Palavra de Deus no-Lo revela, porque só assim temos acesso à salvação que Ele nos oferece neste itinerário e nesta comunhão, mas também para nos entendermos a nós próprios como criaturas. Porque todo o trajecto que do sofrimento e do abandono leva à glória, à exaltação e à vida plena deve ser percorrido por nós.

Nesta longa narração da paixão de Cristo temos de contemplar quanto Deus nos ama e como Ele nos revela a Sua misericórdia, mas também forçosamente teremos de integrar todos os sofredores deste mundo.

O sofrimento e a morte que desafiam a mente humana só poderão adquirir significado quando integrados neste itinerário do sofrimento de Cristo. Porque só Ele, pela sua glorificação e ressurreição, lhes dá o pleno sentido.

Não poderemos ter outro olhar senão o da contemplação do Amor para podermos entender o sofrimento de Cristo, mas também só a partir deste olhar de bondade e de misericórdia, que se torna também desafio para a nossa sociedade, poderemos reconhecer o significado do sofrimento humano.

Só assim, a realidade mais escandalosa para a inteligência humana, quando envolvida pelo amor, torna-se em interpelação à generosidade, à solidariedade, à partilha, à vida na sua plenitude.

Grande é o desafio para nós cristãos perante uma sociedade cuja cultura parece não saber o que fazer com o sofrimento e por isso arvora-se em detentora do poder sobre todas as realidades humanas, mas que perante a dor não tem mais resposta que a morte. Não, perante a dor e o sofrimento há a resposta do amor que faz brotar vida e vida em abundância.

Hoje é urgente contemplar o rosto de Cristo. Como nos diz S. João Paulo II «como aqueles peregrinos de há dois mil anos os homens do nosso tempo, talvez sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje não só que lhes “falem” de Cristo, mas também que de certa forma lh’O façam “ver” (NMI, 16). E, continua afirmando que «não é porventura a missão da Igreja reflectir a luz de Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o seu rosto também diante das gerações do novo milénio?» (ib.).

Porque reconhecemos que a contemplação do rosto de Cristo não pode inspirar-se senão naquilo que se diz d’Ele na Sagrada Escritura, que está, do princípio ao fim, permeada pelo seu mistério, proclamamos com o salmista «é o teu rosto, Senhor, que eu procuro » (Sal 2726,8); este antigo anseio do Salmista não podia ter recebido resposta melhor e mais surpreendente que a contemplação do rosto de Cristo.

Como nos refere S. João Paulo II «N’Ele, Deus nos abençoou verdadeiramente, fazendo “ resplandecer sobre nós a luz do seu rosto” (Sal 6766,2)» (Ib).

Como verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Ele revela-nos também o rosto autêntico do homem, «revela o homem a si mesmo».

Jesus é o «homem novo» (cf. Ef 4,24; Col 3,10), que convida a humanidade redimida a participar da sua vida divina.

Contemplar o rosto sofredor de Cristo é entrarmos no aspecto mais paradoxal do Seu mistério. Por isso, estamos perante o Mistério no mistério, diante do qual o ser humano pode apenas prostrar-se em adoração.

Neste ano da misericórdia, vivamos mais profundamente este caminho que nos convida a participar dele para nele nos envolvermos da misericórdia divina para a tornar presente junto dos nossos irmãos pelas nossas palavras e gestos.

Imploramos de Nossa Senhora que acompanha o Seu Filho no caminho do sofrimento nos abençoe nesta caminhada de viver e transmitir o Evangelho da Misericórdia.

Amen

 

Angra, 20 de Março de 2016

+João Lavrador

Bispo de Angra e Ilhas