Sé Catedral. Angra do Heroísmo | 4 de abril de 2023 [PDF]

Cristo Ressuscitou, Aleluia, Aleluia. Cada vez que nos juntamos para a Eucaristia, celebramos esta grande notícia.

 

Em destaque nesta celebração da Páscoa, está o círio que nos acompanhará todo o tempo pascal até ao Pentecostes! Temos Luz que nos guiará!

 

Ontem na Vigília, o círio mergulhou na escuridão desta catedral e comunicou a sua chama a todos. A sua luz continuará a fazer o seu caminho no meio das nossas trevas e nos lembrará a possibilidade de uma vida iluminada. É e será, cada dia, uma luz que não se impõe, mas que «derrota o mal, lava a culpa, restitui a inocência aos pecadores, a alegria aos aflitos. Dissipa o ódio, dobra a dureza dos poderosos, promove a concórdia e a paz.” Somos Luz desde o batismo em Cristo e outra coisa não queremos senão que ela se comunique. Luz que não se apega, apaga-se! É este o grito na manhã da Ressurreição: acabou a escuridão da noite, Cristo está vivo. Temos Luz para o caminho. Vamos dizê-lo a todos!

 

Dizia o Evangelho de hoje que, logo de manhã, ainda escuro, Maria Madalena foi ao sepulcro. Gosto desta corrida na manhã de Páscoa. Há pressa no ar. O desespero da morte, de Jesus fechado no silêncio do túmulo é insuportável. Desde as suas origens, a Páscoa do Senhor é passagem e pressa (cf. Ex 12,11). Correm Maria Madalena e as companheiras em direção ao sepulcro. Elas veem retirada a pedra, que era muito grande (Mc 16,4). Fora então removida, por Deus e para sempre, aquela pedra da morte.

 

Mas Maria Madalena caminhava ainda na noite e não vislumbrou a luz nova da manhã de Páscoa, que estava a raiar. Por isso, ela e as companheiras desatam a correr, para avisar Pedro e João (cf. Jo 20,2).

Em resposta, também “Pedro e o outro discípulo corriam juntos” (Jo 20,4) “mas o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro” (Jo 20,4), não tanto por ser mais jovem, mas porque o amor apressa todos os passos! O outro discípulo entrou depois, “viu e acreditou” (Jo 20,8).

 

A partir daqui, começa a alegria que se comunica. Começa o tempo do anúncio que nunca mais parará. Cristo envia-os já com uma vida nova no coração. Vão juntos ao sepulcro, saem Igreja, comunidade de testemunhas. O Papa gritará: “não deixeis roubar a comunidade”, lembrando, que o anúncio se torna visível quando criamos condições para o que disse Jesus: “Onde dois ou mais se reunirem em meu nome, aí estarei eu no meio deles” (Mt 18,20). A Igreja nasce sinodal e precisamos revisitar as origens: O Espírito do Ressuscitado está em todos: nas mulheres, nos apóstolos e todos os que pelo batismo são chamados e enviados. Todos Povo de Deus a caminho! Tem razão o Papa quando nos convida e rever os estilos de vida nas comunidades que precisam ser mais sinodais, fazer mais em conjunto, ir em busca dos irmãos para com eles fazer estrada. Habituámo-nos a comunidades em que alguns poucos, o padre e algumas pessoas de boa vontade, fazem tudo para outros “assistirem”. O padre “dá” missa e o povo, os catequistas “dão” catequese e os pais ficam quietos, a Cáritas “dá” ajudas e nós ficamos de consciência tranquila, etc. É certo que um dos grandes sinais do discípulo é a gratuidade, fazer sem esperar recompensa, contudo, hoje precisamos substituir este “dar” por “fazer com”, caminhar juntos em projetos comuns, onde tudo é de todos e realizado por todos.

 

Os tempos que, não escondamos, são de crise, uma crise de crescimento no seio da Igreja, exige leigos que tenham pressa, que saibam colher os tempos novos que os comprometem em primeira pessoa: tanto no testemunho que cria fraternidade no meio do mundo como nos ministérios laicais na liturgia, na caridade e na evangelização. O padre não sabe fazer tudo, nem deve. É sinal do ressuscitado no meio do Povo de Deus. Cada crise é um Kairós, um tempo de graça. Das crises da Igreja saíram sempre tempos de renovação. Apontemos a “sonhar projetos juntos” que tragam alegria e esperança a quem se envolve. Pais, catequistas e filhos na catequese, mas cada grupo paroquial disponibilizando-se para o que possa também fazer; jovens envolvidos no serviço às periferias da pobreza, da cultura, do ambiente, dos direitos de todos, etc. e todos, sem proselitismos, mas respeitosamente, ouvindo e acolhendo cada irmão se sentirá também a ser evangelizados. Para gerar são precisos dois. Criemos então condições para o “dois a dois” em que Jesus ficará entre nós. Seremos como um poliedro de infinitos lados, onde todos são importantes. Um lado que falte estraga o poliedro. Esta é a humanidade nascida da Páscoa de Cristo e de que fazemos parte: uma fraternidade universal. Se não houver este olhar fraterno entre os homens crentes, o rosto de Deus desvanece-se e até mesmo o anúncio da ressurreição de Jesus aparece como um eco distante e, em última análise, irrelevante porque fala de um acontecimento passado. Se não sentirmos um amor capaz de compartilhar o evangelho, algo está errado.

 

Neste ano da JMJ, lembro as palavras do Papa aos jovens: “Cristo nossa esperança está vivo e é a mais formosa juventude deste mundo. Deixemo-nos abraçar e tocar por Ele, pois tudo aquilo que Ele toca torna-se jovem, faz-se novo, enche-se de vida. Cristo vive e quer-nos vivos. Isto só o poderemos dizer, com verdade, se os outros puderem ver em nós um Cristo vivo, que está em nós e permanece connosco, para nos devolver a força e a esperança” diz o Papa Francisco.

 

Precisamos de um anúncio tão forte como o foi a Ressurreição de Cristo, só possível com mulheres e homens novos que não pactuem com o que é ultrapassado, rotineiro e vindo do “sempre se fez assim” como diz o Papa. Originais!

 

Termino com uma imagem: nesta Semana Santa, desde Domingo de Ramos, tivemos nas celebrações a demonstração do que é a Igreja que, dentro do templo, mostra a diversidade de serviços e ministérios. Todos celebram: os ministros ordenados, os acólitos, leitores, cantores, toda a assembleia. Que seria a nossa celebração sem o belo grupo coral que nos empurrou estes dias para um louvor mais belo com a harmonia das pessoas e vozes? Que seria deles se um único membro cantasse um cântico diferente ou noutra tonalidade a desafinar? Que seria da Celebração sem os acólitos e todos os que prepararam cada movimento e gesto litúrgico, mesmo sem se verem?

 

A Assembleia Litúrgica é modelo da Igreja, onde todos têm igual dignidade, embora com papéis diferentes, se alguém não faz a sua parte na fidelidade ao Espírito Santo, a Igreja não é a mesma, torna-se mais pobre! Páscoa é caminhar juntos como irmãos e amigos, e, devidamente fortalecidos, sair para dar testemunho de Cristo Ressuscitado a todos. A Igreja, como cada Assembleia, cada grupo, cada movimento, cada cristão, sai pelas portas escancaradas do templo, a correr, porque há pressa em levar o que vivemos aqui dentro.

 

Então, como as santas mulheres, pés ao caminho! Como os apóstolos, toca a correr! O mundo precisa da alegria destes cantos, de um Aleluia de festa em cada lugar de escuridão, de uma palavra nova, positiva, animadora e cheia do espírito que conforta. Oxalá o nosso testemunho de caridade fraterna seja suficiente para fazer desta humanidade dispersa uma harmonia de pessoas, um contributo para sermos a única humanidade pela qual Cristo morreu. Somos todos companheiros de viagem. Podemos começar por casa, mas sempre com os olhos na comunidade que não queremos perder. Santa Páscoa. Aleluia, Aleluia!

 

 

+ Armando, Bispo de Angra