Santuário de Nossa Senhora da Conceição de Angra, 8 dezembro de 2025.
«Maria Imaculada é a primeira e a maior obra-prima de Deus. Para compreender quem é Maria, é preciso o coração e, sobretudo, os joelhos. É preciso humildade, porque a soberba afasta-nos dela». (S. Maximiliano Kolbe). É grande o mistério que celebramos.
O significado desta Solenidade está resumido na oração de coleta que dizia: “Senhor nosso Deus, que, pela Imaculada Conceição da Virgem Maria, preparastes para o vosso Filho uma digna morada e a preservastes de toda a mancha, concedei-nos, por sua intercessão, a graça de chegarmos purificados junto de Vós”. Embora com título mariano, esta solenidade centra-se em Cristo para quem tudo em Maria aponta. No entanto, aos olhos da fé e da devoção popular, ela aparece sempre jovem e bonita; de uma beleza quase divina porque “cheia de graça”, toda revestida de luz, a luz que é Cristo, transparência de Deus!
Imaculada Conceição é uma invocação muito anterior à declaração do seu dogma em 1854. É um daqueles exemplos em que o Magistério se deixou guiar não só pela reflexão dos teólogos, mas também pelo “sensus fidei fidelium”, ou seja, por aquela espécie de intuição espiritual do santo povo de Deus que não se engana quando percebe unanimemente certas verdades da fé, como esta da Imaculada Conceição de Maria.
Disso é exemplo Portugal, onde a devoção à Imaculada Conceição está enraizada na fé dos portugueses e na memória de momentos decisivos da sua autoconsciência nacional. Ela está ligada a acontecimentos decisivos na nossa História de independência conquistada e sempre defendida. É exemplo a fé do condestável S. Nuno Alvares Pereira, que, após a crise de 1383/85, ofereceu a imagem de Nossa Senhora da Conceição para a Igreja da Senhora do Castelo em Vila Viçosa. Ele reconhece que a mística que levou Portugal à vitória veio da devoção de um povo a Nossa Senhora da Conceição. D. João IV evidenciou-o ao coroar a Imagem de Nossa Senhora da Conceição como Rainha de Portugal. Esta espiritualidade seria igualmente assumida por todos os intelectuais, que na prestigiada Universidade de Coimbra defenderam o dogma da Imaculada Conceição sob a forma de um juramento solene.
Sabemo-lo, as Nações sobrevivem à erosão do tempo e permanecem vivas na história dos povos se prosseguirem na fecundidade que lhes vem da sua espiritualidade e da sua cultura. A diluição espiritual e cultural de um povo significará inevitavelmente a perca da sua identidade e a sua fusão num hoje sem futuro. Vila Viçosa, Fátima e tantos outros santuários marianos como este nosso, dizem deste amor recíproco e indestrutível entre Nossa Senhora e o povo português.
As leituras de hoje relatam diálogos Deus com as criaturas, onde nos podemos rever. No Evangelho é o anjo seu mensageiro com Maria, num ambiente simples de uma casa de família: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». À sua interpelação “como será isso?”, o anjo responde: «Não temas! O que se passa em ti é obra de Deus”. Ao espanto seguiu-se a alegria do SIM à missão a que Deus a chamava. Recordem ou perguntem aos casais, quando noivos, a alegria que sentiram quando perceberam que Deus os chamava ao casamento e marcaram a sua data; perguntem a um seminarista ou um consagrado/a a alegria que sentiram quando viram confirmada a sua vocação, depois de muita oração a Deus
«O Espírito Santo virá sobre ti”. O Espírito Santo é o dom que Deus oferece a cada cristão no Batismo e a toda a Igreja para ser servidora dos seus dons e, como Maria, Mãe para a humanidade. Isabel foi um exemplo de que não é só com Maria que o impossível se torna possível. Também nós, se nos abrirmos à ação do Espírito Santo, podemos reconhecer os sinais da ação de Deus no nosso mundo.
“Faça-se em mim” é a resposta da jovem de Nazaré, sem saber onde Deus a levará, apenas sabendo que vai pelo caminho certo. Fê-lo com a coragem da fé e não com o medo de Adão e Eva, quando se sentiram fora da comunhão com o Criador. Quando Deus questiona “Onde estás?”, Adão diz que se escondeu por ter medo e acusa Eva; a mulher acusa a serpente. E Deus amaldiçoou a serpente, a raiz dos males, que será esmagada por Cristo, nascido da nova Eva, Maria. “Onde estás” é a pergunta que também o Senhor hoje nos dirige. Deus não acusa, cuida! Se Maria respondeu “Eis-me aqui”; Adão respondeu “tive medo e escondi-me”. Que respondemos nós? “Cristão, que dizes de ti mesmo” é a questão deste ano pastoral a que cada batizado é desafiado a dar resposta. Deus não quer filhos com medo, que fujam e se fechem no negativo, mas que O amem e amem os irmãos. O que nos afasta de Deus não são as nossas culpas, mas a presunção de sermos superiores a tudo e todos, arvorados em substitutos ou representantes de Deus, justiceiros sem mácula.
Como em Maria, há em nós uma beleza latente que só o Senhor sabe trazer à luz. Ser virgem não é apenas uma qualidade moral, mas também o tempo em que uma pessoa ainda não chegou à plenitude, ainda não gerou vida. Deus sabe tirar vida onde não há vida! Mesmo na nossa carne, somos chamados a gerar Cristo. A Palavra do Senhor pode tomar corpo em nós! Somos o barro que, por si só, é pobre, mas que Deus pode usar e fazer o impossível e impensável por nós. Deus não vem tirar, mas acrescentar.
Maria acompanha-nos e ensina-nos a confiança dos simples. Ela não pede dogmas para si, deseja apenas que a pureza do Evangelho brilhe em nós para sermos dom de Deus para todos. Por isso é modelo da Igreja simples, humilde, serva. Maria não salva, é Cristo que salva. Da mesma forma a Igreja não salva, é Cristo que salva.
Nestes dias, refletiu-se neste santuário sobre as alegrias de Nossa Senhora. Imagino a grande alegria que será para ela ver a Igreja e suas famílias, as comunidades cristãs, as instituições públicas, o país, a tê-la por padroeira, modelo e guia espiritual.
Nela encontramos uma antecipação do que a Igreja é chamada a tornar-se: esposa de Cristo, mãe dos pobres e consoladora dos aflitos, casa para todos, comunidade de irmãos, esperança dos mortais. Confiamos à intercessão de Maria a conversão e reforma em curso na nossa diocese e na Igreja, para que seja cada vez mais vivida com convicção, especialmente neste tempo em que somos chamados a um testemunho mais corajoso e profético no mundo.