Nossa Senhora de Fátima (Ponta Delgada)

Celebramos a festa litúrgica da apresentação de Jesus no Templo e nela integramos o encerramento do ano dedicado á reflexão, acção de graças e à oração e ao compromisso com a vida consagrada, e ainda o final da presença da Imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima às paróquias da Zona pastoral de S. Miguel e Santa Maria.

Todos estes acontecimentos devem merecer a nossa aprofunda atenção, a nossa adesão na fé, o nosso desejo de nos comprometermos cada vez mais na comunhão eclesial e na missão da Igreja para a renovação do nosso mundo.

Jesus de Nazaré é apresentado no Templo. Aparentemente está a cumprir um rito comum a todas as crianças do sexo masculino próprio da sua cultura e da sua religião. Mas é neste contexto que se manifesta algo de novo que se reflecte na manifestação do Seu mistério.

Neste sentido refere a Carta aos Hebreus que Jesus «devia fazer-Se em tudo semelhante aos Seus irmãos, a fim de Se tornar, nas relações com Deus, um Sumo Sacerdote misericordioso e fiel, para expiar os pecados do povo». E mais ainda, «por Ele próprio ter sofrido a provação é que pode socorrer aqueles que a experimentam».

Neste ano dedicado à Misericórdia, no qual devemos aprender de Deus a pedagogia da bondade, do acolhimento, do perdão, da sensibilidade e da compaixão, eis-nos perante um profundo desafio pastoral que sendo de sempre se torna urgente no contexto da cultura e da vida da Igreja na actualidade e que diz respeito à relação próxima do cristão discípulo de Jesus Cristo com as pessoas que não poderá ter outra feição que não seja de sintonia perfeita com as suas alegrias e sofrimentos, esperanças e desilusões. É este o mistério da incarnação absolutamente necessário para uma verdadeira evangelização.

Na atitude de Simeão e da profetiza Ana deparamo-nos com a exigência, por parte de todos nós sacerdotes, consagrados e leigos, de nos colocarmos em atitude de expectativa, desejo interior de renovação, abertura à acção surpreendente de Deus que através do Seu Espirito conduz a história dos homens por caminhos sempre novos. Ai da Igreja em todos os seus membros quando perde este desejo inexaurível de renovação e de misericórdia.

Porque tão só a partir desta posição o Espirito de Deus nos faz descobrir o mistério de Jesus Cristo vivo e interpelante, e a alegria que a Sua manifestação provoca em todo aquele que escuta e reconhece a Sua presença.

Os Pais do Menino estavam admirados com o que d’Ele se dizia. Sim, urge maravilharmo-nos perante a beleza do mistério de Jesus de Nazaré que se comunica e nos desafia à comunhão com Ele à missão junto dos irmãos para nos envolver pelo espanto e nos elevar até à Sua contemplação.

Ai da Igreja que não se abre à contemplação do mistério de Jesus Cristo e se deixa, em todos os seus membros, espantar pelo assombro da revelação de Jesus de Nazaré no meio do nosso mundo.

Desde há vários anos esta celebração serve de fundamento à reflexão, oração e compromisso pela vida consagrada da qual a Igreja tanto necessita. Ao longo do ano que agora termina, o Santo Padre convidou-nos a dedicar este tempo ao aprofundamento da riqueza e da maravilha da vida consagrada na Igreja e no mundo.

Na Carta Apostólica com a qual deu o inicio a este ano, o Papa Francisco realçava que as três atitudes que queria despertar com esta evocação eram: olhar com gratidão o passado; viver com paixão o presente; abraçar com esperança o futuro.

Assim, agradecendo esta herança que veio até nós como riqueza divina através de tantos que ofereceram a Sua vida a Deus e aos irmãos, refere que viver com paixão presente «significa tornar-se “peritos em comunhão”, ou seja, “testemunhas e artífices daquele “projecto de comunhão” que está no vértice da história do homem segundo Deus”. E, ao referir-se ao futuro e exortando à esperança sublinha que apesar das incertezas e perplexidades temos a firme convicção que deve actuar a nossa esperança, «fruto da fé no Senhor da história que continua a repetir-nos: “não terás medo (…), pois Eu estou contigo” (Jr 1, 8)».

E, continua, dizendo que «a esperança de que falamos não se funda sobre números ou sobre as obras, mas sobre Aquele em quem pusemos a nossa confiança (cf. 2 Tm 1, 12) e para quem “nada é impossível” (Lc 1, 37)».

De tal modo que «esta é a esperança que não desilude e que permitirá à vida consagrada continuar a escrever uma grande história no futuro, para o qual se deve voltar o nosso olhar, cientes de que é para ele que nos impele o Espírito Santo a fim de continuar a fazer, connosco, grandes coisas».

Demos graças a Deus pelos consagrados que vivem e trabalham pastoralmente na nossa diocese e comprometamo-nos com eles e com elas porque são tão importantes para a vida da Igreja diocesana e para a sua missão evangelizadora.

Permitam-me que me dirija a vós jovens para vos convidar a deixar-vos atrair pelo amor de Jesus Cristo e a responder-lhe generosamente numa descoberta séria da vossa vocação que deve ser feita sempre no amor e em resposta ao chamamento de Jesus Cristo. Colocai também na vossa resposta a vocação à vida consagrada.

Estamos a despedir-nos da Imagem de Nossa Senhora de Fátima à nossa Ilha de S. Miguel.

O nosso olhar e o nosso coração cantam as maravilhas de Maria que quis privilegiar-nos com a Sua visita e mensagem há cerca de cem anos junto de três simples crianças e hoje veio estar connosco visitando todas as comunidades cristãs.

O despertar da fé genuína do povo simples, da forma espontânea e numerosa como as pessoas acorreram ao encontro de Nossa Senhora só nos pode levar a cantar as grandezas de Deus espelhadas em Maria de Nazaré. Deus continua a fazer maravilhas!

Este tempo de graça é também de compromisso. Na mensagem de Fátima e hoje entre nós, Nossa Senhora desperta-nos para olharmos para a nossa forma de viver, para a situação concreta do nosso mundo e para a exigência da nossa actuação evangélica em prol de renovação do mundo e da cultura.

Maria de Nazaré aponta para Jesus Cristo, tal como nos diz o Concilio quando refere que Ela «cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira». E, conclui que «isto entende-se de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo» (LG, 62).

Realça ainda o Concilio que «nela, os fiéis, aderindo à cabeça que é Cristo, e em comunhão com todos os santos, devem também venerar a memória «em primeiro lugar da gloriosa sempre Virgem Maria Mãe do nosso Deus e Senhor Jesus Cristo» (LG, 52).

Estamos perante um aliciante e profundo desfio pastoral que se coloca à nossa Igreja para vivermos e edificarmos uma vida cristã ordenada segundo o pensamento de Deus.

Maria de Nazaré, aqui presente na Imagem de Nossa Senhora de Fátima, convida à comunhão eclesial e à fraternidade entre todos os homens e mulheres do nosso mundo.

Sem a vivência concreta da comunhão, a todos os níveis e em todas as circunstâncias, a Igreja fica vazia da sua mais nobre missão e do seu mais elucidativo e atraente testemunho.

Nossa Senhora de Fátima apela a um novo estilo de vida, que passa por aceitar Deus, pela conversão, pela mortificação e pela oração.

Como refere o Papa Francisco na Enciclica Ludato si, «Maria, a mãe que cuidou de Jesus, agora cuida com carinho e preocupação materna deste mundo ferido. Assim como chorou com o coração trespassado a morte de Jesus, assim também agora Se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo exterminadas pelo poder humano. Ela vive, com Jesus, completamente transfigurada, e todas as criaturas cantam a sua beleza. É a Mulher «vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça» (Ap12, 1). Elevada ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação. No seu corpo glorificado, juntamente com Cristo ressuscitado, parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza. Maria não só conserva no seu coração toda a vida de Jesus, que «guardava» cuidadosamente (cf.Lc2, 51), mas agora compreende também o sentido de todas as coisas. Por isso, podemos pedir-Lhe que nos ajude a contemplar este mundo com um olhar mais sapiente» (nº 241).

Nossa Senhora apela à missão que é de todos e cada um. Como nos interpela o Papa Francisco «somos uma missão nesta terra».

Não deixemos esmorecer o dinamismo desta visita celeste mas demos-lhe a continuidade que ela merece para bem de cada um, de cada família, de cada comunidade, da Igreja diocesana e dos Açorianos.

Que Nossa Senhora Mãe de Jesus Cristo e Mãe da Igreja, que hoje na Imagem de Nossa Senhora de Fátima se despede desta Ilha, e para nós Mãe e Rainha dos Açores, abençoe as crianças, os jovens, os adultos, as famílias, os idosos, os doentes, os emigrados, os marginalizados e excluídos dos Açores nos acompanhe pelos caminhos que levam à evangelização do mundo de hoje.

Amen

 

+João Lavrador

Bispo Coadjutor de Angra e Ilhas