Sé Catedral. Angra do Heroísmo | 7 de abril de 2023 [PDF]

Adoramos o mistério da tua cruz, Senhor,

celebramos a tua gloriosa paixão

porque não há outra glória para nós

se não na cruz de Jesus Cristo.

 

1. Iniciámos esta santa liturgia prostrados no chão para imitar Jesus no Jardim das Oliveiras, suando sangue com a angústia da morte. Como ficar insensíveis diante de alguém que nos ama até dar a vida por nós? Prostremo-nos também perante o cordeiro que tomou sobre si os nossos pecados e os do mundo, depois de se empenhar na luta contra o mal, mesmo arriscando a vida. Prostrados, é mais fácil ver que a paixão continua. Continua nestes dias nos numerosos jardins das oliveiras espalhados pelo mundo onde a morte semeia angústia como na Ucrânia; continua nos muitos países deste mundo, onde milhões de refugiados não encontram a paz; continua nos doentes deixados sozinhos em agonia; continua naqueles idosos abandonados em hospitais ou Casas de Recolhimento; continua onde quer que se sue sangue, devido à dor e ao desespero.

No Jardim das Oliveiras, perante o espetro na prisão e morte, diante da traição de Judas, Jesus não só não foge, como toma a iniciativa: “Quem procurais?”, «Se me procurais a mim, deixai ficar estes» e “Sou eu”! Ele não quer que os seus sejam afetados e sucumbam ao mal. A oposição contra ele vem mesmo da acusação de que ele era misericordioso demais; por causa do seu amor louco por todos, mesmo pelos inimigos, por frequentar demais os pecadores e cobradores de impostos. Se tivesse baixado as exigências do evangelho, ninguém lhe teria dito nada. Bastava pensar um pouco mais em si mesmo e um pouco menos nos outros e certamente não acabaria na cruz. Pedro fê-lo: fugiu como todos os outros e, perante o interrogatório da criada, negou sequer conhecê-lo. Com uma frase de negação, salvou-se.

2. Também nós estamos entre aqueles que o Pai confiou às Suas mãos. É por isso que hoje a cruz entra solenemente entre nós e nos curvaremos diante dela e interiormente O abraçaremos. O que nos dirá Ele? Talvez algo como: “Se não me amas tu, quem me amará”? ou, “Coragem, eu também gritei o abandono do Pai, mas entreguei-me nas Suas mãos”. De facto, no seu abandono, Jesus continuou e continua a amar os Seus, mesmo os que O deixaram sozinho. O abismo dos nossos inúmeros males é imerso num amor maior. Ele salva-nos a partir de dentro dos «porquês» dos nossos abandonos, dos momentos em que Deus parece ausente. A cruz para nós também já não é uma maldição, mas Evangelho, amor que salva. Dizia o Papa no domingo de Ramos: Para nós, discípulos do Abandonado, ninguém pode ser marginalizado, ninguém pode ser deixado a si mesmo.

3. Depois, sabendo que tudo estava consumado e para que se cumprisse a Escritura, Jesus disse: «Tenho sede». … Prenderam a uma vara uma esponja embebida em vinagre e levaram-Lha à boca. Quando Jesus tomou o vinagre, exclamou: «Tudo está consumado». E, inclinando a cabeça, expirou.

As palavras finais de Jesus na cruz: “Tenho sede!” e “tudo está consumado”

Tudo estava “consumado”:

a Sua missão de profeta e o anúncio do “Reino” de Deus; a Sua opção pelos pobres e pecadores e o testemunho das bem-aventuranças; o Seu caminho de “Servo de JaHWeH” e a decisão de seguir em tudo a vontade do “Pai”.

Tudo estava concluído? Não! A Sua sede ficou por saciar: a sede de justiça, sede de amor, sede de Deus e todas as outras sedes… Porquê? Porque nos deixou a nós, seus discípulos e porque nos continuará a segredar: “Se não me amas tu, quem me amará”? Se não tu, quem matará esta sede?

À espera de que, em cada cruz, digamos: “És Tu Abandonado aí escondido”! Reconheço-Te, aceito-Te sou UM contigo”. Que assim seja!

 

 

+ Armando, Bispo de Angra