Fenais de Vera Cruz.
Reúne-nos o facto de celebrarmos a Eucaristia que continuamente nos oferece a participação no Mistério Pascal de Jesus Cristo, de vivermos o tempo da ressurreição do nosso Salvador e de comemorarmos os cem anos de vida desta Ouvidoria de Fenais de Vera Cruz.
Acabámos de escutar no Evangelho o apelo a viver o mandamento do Amor como continuidade da presença de Jesus Cristo que temporalmente começa a despedir-se da sua presença física.
Já na segunda leitura somos convidados a contemplar na esperança um novo céu e uma nova terra que Jesus Cristo promete e que todos nós sonhamos, e ainda a interpelação a aprofundar na fé a consciência de que Jesus de Nazaré pelo poder da sua ressurreição vai renovar todas as coisas.
Por sua vez, a primeira leitura do Livro dos Actos dos Apóstolos, fundamenta a comunidade enriquecida pelos vários ministérios e serviços em ordem à evangelização e à missão da Igreja no meio do mundo.
Na celebração em que comemoramos os cem anos desta Ouvidoria estes três desafios são da máxima importância para nos edificarmos como verdadeira comunidade cristã, que vive a experiência admirável do amor de Jesus Cristo que chama à missão evangelizadora na Sua Igreja e no mundo de hoje.
Viver no amor, na entrega total de cada um a Deus e aos outros, e constituirmos uma comunidade que se caracteriza pela partilha do amor mútuo é algo de fundamental e essencial nos critérios e opções de cada cristão.
Podemos dizer que sem amor e sem o único critério de se entregar à maneira de Jesus Cristo, não há cristianismo.
Deus é amor e em Jesus de Nazaré, Seu Filho, revelou todo o Seu amor pelas suas criaturas. Todo aquele que vive de Deus, participa do Seu amor e da Sua misericórdia, torna-se também em pessoa que ama à maneira de Jesus Cristo.
Diz-nos o Santo Padre o Papa Francisco, na Bula para este ano da misericórdia, que «precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação» (MV, 2).E, ainda, «há momentos em que somos chamados, de maneira ainda mais intensa, a fixar o olhar na misericórdia, para nos tornarmos nós mesmos sinal eficaz do agir do Pai»(MV, 3).
Num outro passo e apelando para o verdadeiro testemunho de amor por parte dos cristãos refere que «a arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia». Daí que «toda a sua acção pastoral deveria estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes; no anúncio e testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia». E, ainda, sublinha-se que «a credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo» (MV,10).
Nos tempos em que vivemos a necessitarem dum redobrado esforço de testemunho coerente da Boa Noticia de Jesus de Nazaré, a descoberta do amor e da misericórdia de Cristo é fundamental para a vida e para a acção do baptizado e da comunidade cristã. Di-lo o Papa Francisco quando refere que «a primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo». Sendo assim, «deste amor que vai até ao perdão e ao dom de si mesmo, a Igreja faz-se serva e mediadora junto dos homens». A partir desta experiência, «onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai».
Muito concretamente, «nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos – em suma, onde houver cristãos –, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia» (MV, 12).
Todo o ser humano sonha com um novo céu e com uma nova terra. Algo de novo está nas nossas aspirações mas também sentimos a sensação da incapacidade para alcançar tal objectivo.
Importa escutar o que Jesus Cristo nos diz: «Vou renovar todas as coisas».
Sem retirar nada à nossa intervenção e à capacidade humana, reconhecemos na fé que a iniciativa é sempre da parte de Deus que em Jesus Cristo renova todas as coisas criadas. Na Sua ressurreição opera-se a redenção e oferece-se a possibilidade de uma nova criação. Libertos do pecado e do mal, os homens e mulheres de cada tempo são convidados a um comportamento que seja testemunha da vida nova que se torna presente pela acção do Espírito Santo.
O mundo antigo desaparecerá quando houver esta habitação comum de Deus com os homens. É para estabelecer esta relação ferida pelo pecado que Jesus Cristo se entrega em redenção pela humanidade que necessita de novos horizontes e de um sentido novo para a sua vida.
Caros cristãos, ao celebrar os cem anos desta Ouvidoria, em atitude acção de graças pela vida e pela acção evangelizadora das paróquias que a constituem, despertamos para esta relação nova que se exige para toda a comunidade cristã de modo que vivamos na experiência da comunhão com Deus e com os irmãos. Comunidade que escuta a Palavra de Deus, que celebra os mistérios da Fé e que testemunha o amor fraterno.
Comunidade evangelizada e evangelizadora. Comunidade voltada para o mundo onde vive e se torna presença da Vida Nova de Jesus Cristo Ressuscitado.
Daí que a primeira leitura oferecendo-nos o exemplo das primeiras comunidades, sobretudo de Paulo e Barnabé, apela para a edificação de comunidades cristãs nas quais todos e cada um dos baptizados se sintam responsáveis pala missão evangelizadora.
No maravilhoso texto da Exortação pos- sinodal, A Alegria do Evangelho, num dado passo podemos ler que «a evangelização é dever da Igreja». Sendo ela sujeito da evangelização, porém, «é mais do que uma instituição orgânica e hierárquica; é, antes de tudo, um povo que peregrina para Deus». Estamos conscientes de que trata «certamente de um mistério que mergulha as raízes na Trindade, mas tem a sua concretização histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária expressão institucional» (EG, 111).
Suposta esta exigência evangelizadora de toda a Igreja, devemos reconhecer que «ser Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projecto de amor do Pai». Sendo assim, «isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de ter respostas que encorajem, dêem esperança e novo vigor para o caminho».
Deste modo, «a Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho» ( EG., 114).
Assumindo que «em todos os baptizados, desde o primeiro ao último, actua a força santificadora do Espírito que impele a evangelizar» (EG., 119 ), então despertamos para a verdade segundo a qual «em virtude do Baptismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário (cf. Mt 28, 19)».
Deste modo, «cada um dos baptizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito activo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas acções» (EG. 120).
Por fim, «a nova evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos baptizados» (ib., 120).
Caros cristãos da Ouvidoria de Fenais de Vera Cruz, continuai a promover a comunhão entre vós, no interior de cada comunidade paroquial e na partilha entre as diversas paróquias. A Ouvidoria é o espaço para uma experiência de comunhão mais próxima e para um testemunho cristão autêntico que desperte o interesse dos nossos contemporâneos pela Igreja.
Partilhemos os sonhos de uma renovação permanente, sintonizando com os nossos contemporâneos, oferecendo-lhe o único caminho para a sua concretização que é Jesus Cristo vivo e interpelante.
Por último, reconheçamos que somos uma comunidade evangelizadora. Em todas as acções, a Ouvidoria deve ser espaço de evangelização.
Neste sentido, dar graças a Deus pelos cem anos de vida desta Ouvidoria é também assumir o compromisso de caminharmos na edificação de uma comunidade evangelizadora do mundo de hoje.
Imploro de Nossa Senhora Mãe e Rainha dos Açores que abençoe as autoridades publicas, as nossas crianças, jovens, famílias, adultos, idosos e doentes, e todos os que vivem na diáspora e junto do Seu Filho nos encaminhe pela edificação do homem novo na verdade, na justiça, no serviço e na paz.
Amen.
+João Lavrador
Bispo de Angra e Ilhas