Sé. Angra.

«Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor». Este anuncio feito pelo mensageiro celeste aos pastores que esperavam a vinda do Salvador prometido, é o mesmo que nos é comunicado pela Palavra e pelos sinais com os quais Jesus de Nazaré continua a revelar-se no meio do Seu povo com a mesma força salvadora da primeira hora.

O «hoje» que marca o tempo em que este acontecimento se realiza revela o presente da história dos homens. Estamos perante um acontecimento que ao longo do tempo será sempre único e irrepetível com a marca salvadora que Jesus Cristo, o Filho Eterno de Deus, lhe confere.

Daí, o profeta Isaias dizer que «o povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para  aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar». Isto acontece porque «um Menino nasceu para nós um filho nos foi dado».

A celebração de hoje desperta e orienta o nossos olhar para a contemplação desta frágil criança que nasce na pobreza e na simplicidade e convida a descobrir n’Ela o Filho de Deus que se faz homem para, na comunhão de vida com toda a humanidade, realizar a obra maravilhosa de libertá-la do pecado, do mal e da morte.

O real acontecimento desta noite quer dissipar as trevas da inteligência, do desespero, da ignorância e da indiferença. Sendo um acontecimento que nos revela a pessoa de Jesus de Nazaré exige da pessoa humana a coragem e lucidez para se aproximar e se deixar penetrar pela sua acção. Daí o convite feito aqueles que escutam esta novidade a que se lancem no caminho que leva ao encontro de Jesus Cristo.

Hoje é  lançado o mesmo convite à humanidade que continua a viver nas trevas e a sofrer das sombras da morte para que se decida a abrir-se, com todo o seu ser, à novidade da encarnação do Verbo de Deus que se se torna presente no meio de nós na simplicidade de uma criança.

Como facto o nascimento de Jesus Cristo na história dos homens desfaz qualquer pretensão de tornar a fé cristã em ideologia. Ela é acontecimento salvífico que se torna presente no hoje na vida da pessoa humana que em qualquer situação em que se encontre é necessitada de salvação.

Sendo exortação à alegria, diz o texto evangélico, deve-o ser para todo o povo. Na verdade, o nascimento de Jesus Cristo revela a Deus de forma única e singular que só pela encarnação se torna possível. Em rosto humano, só agora a pessoa humana tem acesso à linguagem compreensível da revelação de Deus.

O autor da carta aos Hebreus diz-nos que «muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo (Heb, 1,1-2). Diz ainda que este Filho é resplendor da Sua glória e imagem fiel da Sua substância e que tudo sustenta com a Sua palavra poderosa.

Mostrando a universalidade do acontecimento da encarnação de Jesus Cristo, S. Paulo afirma que «não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. E se sois de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa (Gal. 3, 28-29).

A alegria será completa quando cada criatura se encontrar plenamente com o Seu Criador mas também na comunhão verdadeira com os seus irmãos.

O convite à humildade e simplicidade é fundamental para que a razão humana se despoje do seu orgulho e prepotência para se reconhecer necessitada de orientação que só poderá vir do Mistério Revelado. De igual modo, a condição para se viver a alegria plena depende do modo como cada um se abre aos seus irmãos e se mostra capaz de partilhar dos seus dons com aqueles que são os mais necessitados.

Este sentido universal da salvação trazida por Jesus Cristo está presente na Carta de S. Paulo a Tito quando afirma «manifestou-se a graça de Deus fonte de salvação para todos os homens» mas igualmente interpela fortemente cada pessoa e cada comunidade quando sublinha que este acontecimento nos ensina «a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos para vivermos, no tempo presente, com temperança, justiça e piedade».

Neste Natal, ressoa a voz celeste a chamar toda a pessoa a abrir-se à novidade da presença de Deus no meio do Seu Povo; exige-se a escuta do clamor dos pobres na expectativa de libertação que lhe vem de Deus que só se tornará próxima se cada comunidade cristã s tornar verdadeiramente agente desta libertação junto dos mais excluídos; no nascimento de Jesus de Nazaré abre-se um futuro de esperança para os simples e humildes da terra porque se reconhece que o valor da pessoa está no seu ser e não no seu ter e no seu poder.

Por isso, o mensageiro celeste não se limita a anunciar o maravilhoso acontecimento de que hoje nasce Jesus de Nazaré mas revela como se pode encontrar. Eis a maior das exigências para a humanidade actual como o foi para os homens de todos os tempos. Teremos de nos perguntar o que significa a advertência celeste que nos conduz até Jesus Cristo dizendo que «encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e reclinado numa manjedoura»

Que grande conversão se exige para aqueles que procuram o Messias no meio do poder ou da riqueza; para aqueles que pensam que poderão encontrar a sua libertação tão só através de leis, normas ou de subterfúgios legais; para aqueles que se apoderam do mundo e escravizam o seu próximo; para aqueles que vivem indiferentes perante a relação com Deus ou que se orgulham no seu individualismo.

Como não há outra forma de encontrar o nosso Salvador, eis o caminho que nos é traçado pelo Evangelho e que se traduz na simplicidade, na humildade, na pobreza interior para se abrir á experiência da comunhão com Deus e à partilha com os irmãos sobretudo os mais frágeis e excluídos.

Os grandes acontecimentos da revelação de Deus, porque são de uma maravilha tal que nos surpreendem, podem causar medo. Por isso, é muito oportuna a advertência que nos é lançada a convidar-nos a não ter receio.

Estamos numa sociedade e numa cultura que geraram um clima de medo. A falta de comunhão e de amor desperta na pessoa e na comunidade humana o medo em relação a Deus, para consigo e para com os outros.

O progresso que se apresentou com o cariz de redenção total da humanidade está a desembocar em situações de dor, de sofrimento e de temor.

Urge proclamar e ensinar o caminho que leva até ao presépio onde a alegria tem o poder de dissipar todos os medos. Na verdade «o Menino que nasce interpela-nos: chama-nos a deixar as ilusões do efémero para ir ao essencial, renunciar às nossas pretensões insaciáveis, abandonar aquela perene insatisfação e a tristeza por algo que sempre nos faltará». Sem dúvida «far-nos-á bem deixar estas coisas, para reencontrar na simplicidade de Deus-Menino a paz, a alegria, o sentido luminoso da vida» (Papa Francisco, homilia de natal 2016).

Nestes sentimentos, expresso a todos os diocesanos, os que estão no território dos Açores e os que estão na diáspora um Santo e Feliz Natal vivido na paz, na fraternidade, na partilha, numa palavra, em família que se torna modelo de todas as relações verdadeiramente humanas.

Imploro do Menino Deus, acompanhado pela Sua e nossa Mãe, Mãe e Rainha dos Açores, e de S. José, que abençoe as famílias, as crianças, os jovens, idosos, os adultos, desempregados e excluídos da sociedade, os pobres, os presos e os emigrados e nos encaminhe pelas sendas da evangelização do mundo de hoje.

Amen.

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores