Sé Catedral. Angra.

Com a celebração da Eucaristia e a imposição das Cinzas iniciamos o tempo santo da quaresma que é definido pela Escritura como o tempo favorável e o tempo da salvação. A riqueza da Palavra de Deus que deve merecer um redobrado interesse neste tempo quaresmal, a própria celebração da entrega de Jesus Cristo na Eucaristia, o convite a edificar uma comunidade cristã de discípulos missionários que aceita a purificação e a reconciliação que estão presentes no gesto da imposição das cinzas, fazem parte da vivência da celebração de hoje com a  qual damos inicio ao itinerário de conversão e de renovação que nos prepara para a celebração da Páscoa do Senhor Jesus Cristo.

A verdade, a caminhada quaresmal reveste-se de sentido quando cada baptizado, ou os que estão em preparação para receberem o sacramento do baptismo, aceitam a interpelação à mudança de vida, à conversão e à escuta do chamamento divino em ordem à vivência da Páscoa de Jesus de Nazaré e com Ele viverem o mistério da Sua morte e da Sua Ressurreição.

É da própria boca de Jesus que se escuta o apelo a não fazermos as nossas práticas religiosas diante dos homens para sermos vistos por eles. Deste modo, é o próprio Jesus de Nazaré que nos convida a deslocarmo-nos de tudo o que é puramente humano que gera as suas recompensas para uma esfera que só no amor infinito e gratuito de Deus pode alcançar a verdadeira alegria.

Também somos interpelados por Jesus Cristo a analisarmos o modo como e com que intenção realizamos os actos da nossa vida cristã, sobretudo o jejum, a esmola e a oração. Fazemo-los à maneira dos hipócritas que querem ser louvados pelos homens, ou realizamo-los na intimidade com Deus saboreando a sua misericórdia, a sua ternura e a compaixão que manifesta para connosco.

Mais ainda, somos verdadeiramente caridosos para com os nossos irmãos exercendo o amor fraterno através da partilha e do amor aos mais carenciados, num despojamento de nós a exemplo de Jesus Cristo?

Daí, inserirmo-nos no Povo da Promessa para escutar o profeta Joel a advertir-nos com as interpelantes palavras: «rasgai o vosso coração e não as vossas vestes. Voltai para o Senhor vosso Deus que é clemente e compassivo, lento para a ira, rico de bondade e desiste dos castigos que manda».

Realmente, temos necessidade de rasgar o nosso coração para fazer sair dele tudo o que é azedume, inveja, injustiça, maledicência, guerra, egoísmo, autossuficiência, numa palavra, tudo o que é mal e pecado, para deixar que Jesus Cristo o encha de amor, misericórdia, ternura, paz, caridade e compaixão. Abrir o coração a Deus e aos irmãos sobretudo aos mais pobres e aos que mais sofrem.

Um coração que se treina para a vivência numa comunidade cristã que vive e testemunha a Jesus Cristo e que através d’Ele quer estar sensivelmente presente na história da humanidade sofredora.

É para uma participação activa na comunidade cristã que escutamos o que S. Paulo dirigiu à comunidade de Corinto e hoje nos diz a nós e à nossa comunidade paroquial e diocesana, quando afirma que «por amor de Cristo: reconciliai-vos com Deus». De facto, é em Cristo que todos nos tornámos justos aos olhos de Deus.

Paulo sente-se embaixador de Deus e pede-nos a nós que sejamos igualmente embaixadores de Deus. Por isso sublinha que «nós somos embaixadores ao serviço de Cristo».

Mais ainda, acrescenta Paulo, «como seus colaboradores que somos, nós vos exortamos a não receberem vão a graça de Deus».

Na verdade, o cristão e cada comunidade cristã devem sentir-se como colaboradores de Deus ao serviço de Cristo e dos irmãos. O itinerário quaresmal deve favorecer esta edificação de uma comunidade, formada por cristãos conscientes e activos, que escutam o chamamento de Jesus Cristo e O tornam presente ao mundo através do seu testemunho.

Este é o tempo da Palavra de Deus. Convido a comunidade cristã e cada cristão a escutarem mais assiduamente a Palavra de Deus;

Este é tempo de mortificação e penitência. Convido a comunidade cristã e cada cristão a aceitarem livremente e generosamente o apelo da Igreja às obras de penitência e de mortificação;

Este é o tempo de jejum mais intenso e de oração mais persistente. Convido a comunidade cristã e cada cristão a viverem em clima de oração, de ascese e de jejum para se centrarem no essencial da vida cristã;

Este é o tempo da reconciliação. Convido cada cristão a abeirar-se do sacramento da reconciliação para saborearem o perdão, a ternura de Jesus Cristo e a Sua misericórdia que Ele deixou à Sua Igreja para oferecer a plenitude da alegria a todos os que dele se abeirarem;

Este é tempo de fazer a experiência de Jesus Cristo na Eucaristia e no amor aos irmãos. Convido ca cristão e cada comunidade cristã a celebrar bem a Eucaristia, a interiorizar os Sinais do itinerário quaresmal, que semanalmente nos são oferecidos e a partilharem dos seus bens com os mais necessitados.

Como já está noticiado, a renuncia quaresmal deste ano, a nível diocesano reverte para ajudar os nossos irmãos da paróquia do Capelo (Faial) na recuperação da sua Igreja vítima pelo sinistro incêndio.

Permitam-me que cite a mensagem do Papa Francisco para a quaresma deste ano, quando refere, num dado passo, que «colocar o Mistério pascal no centro da vida significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria» (nº 4).

E, acrescenta dizendo que «também hoje é importante chamar os homens e mulheres de boa vontade à partilha dos seus bens com os mais necessitados através da esmola, como forma de participação pessoal na edificação dum mundo mais justo. A partilha, na caridade, torna o homem mais humano» (nº 4).

Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que acolha no Seu coração as nossas intenções e nos guie nos caminhos desta quaresma fazendo-nos sensíveis aos apelos do Seu Filho e às necessidades dos nossos irmãos; rogamos ao Besto João Baptista Machado, a sua intercessão para obtermos a graça da coragem e da generosidade para seguirmos sempre na vontade de Jesus Cristo.

Amen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores