Sé de Angra.

Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer, perguntaram os magos. Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo.  Será que hoje ainda sabemos o que é adorar? A quem adoramos? «Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto» (Lc 4, 8) – diz Jesus, citando a Sagrada Escritura (Dt 6, 13).

O atual catecismo da Igreja Católica ajuda-nos a precisar esta atitude própria de um sujeito crente, de quem tem sede, busca e quando encontra a fonte pára diante dela, contempla e sacia-se. Assim cantamos: «eu venho Senhor à vossa presença ficarei saciado ao contemplar a vossa glória».

A adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante do seu Criador. Exalta a grandeza do Senhor que nos criou e a omnipotência do Salvador que nos liberta do mal. É a prostração do espírito perante o «Rei da glória» e o silêncio respeitoso face ao Deus «sempre maior». A adoração do Deus três vezes santo e soberanamente amável enche-nos de humildade e dá segurança às nossas súplicas. (CIC, 2628).

Adorar a Deus é reconhecê-Lo como tal, Criador e Salvador, Senhor e dono de tudo quanto existe, Amor infinito e misericordioso. (CIC, 2096). A adoração do Deus único liberta a pessoa de se fechar sobre si própria, da escravidão do pecado e da idolatria do mundo (CIC, 2097).

Nestas festas de Natal onde aparecem Maria e José, pastores e magos, Ana e Simeão, mas também Herodes, governadores e procuradores, encontramos dois tipos de pessoas ou melhor duas atitudes vitais.

Uns que buscam, outros que bloqueiam. De um lado, umas pessoas inquietas, buscadoras, necessitadas de orientação, acorrem ao lugar apropriado para obter informação adequada à sua inquietação. Vão buscando a Deus, necessitam encontrar a realidade perante a qual há que reconhecer o Absoluto.

Do outro lado, temos um mundo de seguranças adquiridas, da ordem estabelecida e da tradição. Nestas pessoas não é a inquietação que as move, mas o medo paralisante que as faz permanecer dentro do recinto das suas muralhas sociológicas, procurando as condições que têm de cumprir para se adequar à função que lhe está destinada.

Tanto em Roma, como no Egipto e no Oriente, as festas de 25 de dezembro e de 6 de janeiro tinham muito que ver com a luz: a luz cósmica, que por estas datas, começa, nas nossas latitudes, a «vencer» a noite, depois do solstício de inverno.

Daqui é fácil a passagem à luz de Cristo, o verdadeiro Sol que ilumina e aquece as nossas vidas. Os nossos antepassados cristianizaram e evangelizaram uma festa pagã que existia antes deles nestas datas, de final e início do ano. Não paganizemos de novo aquilo que é o mistério de Deus, revelado em Jesus, a verdadeira Luz do mundo.

A estrela que surge no céu faz resplandecer sobre todos, indistintamente, a sua luz. O caminho da fé abre-se diante dos «homens de toda a tribo, língua, povo e nação (Apoc. 5,9).  É noite, está escuro, o céu é imenso, mas já não é um vazio que angustia; brilha uma estrela que indica um caminho, uma meta misteriosa, mas certa. Esta estrela não está fora nem acima de nós. Não está no firmamento cósmico, mas no nosso íntimo; é no coração que, perscrutando na nossa noite, devemos descobri-la (Dt. 30, 14).

Há pelo menos um momento na vida de cada um em que lhe é dado fazer a experiência dessa luz interior. Nesta hora solene e secreta é que se vive intimamente a festa da epifania, em primeira pessoa. Reconhece-se que, misteriosamente, o Senhor nos guiou ao encontro com Ele. Então invadidos por uma alegria enorme, sentimos urgência de viver, não já para nos mesmos, mas de nos oferecermos a Deus inteiramente. Quase sem darmos conta, também nós nos tornamos luz, estrela, orientação, sinal para quem ainda deve chegar à gruta de Belém. Seguindo a luz de Cristo e deixando-nos inundar pela sua alegria, tomamo-nos, segundo a palavra do Evangelho «Luz do mundo». (Mt. 5, 14).

Uma vez que encontramos o Senhor, e nos encontramos com Ele, então voltamos à nossa vida, à nossa casa, ao nosso trabalho, por outro caminho. É o caminho da conversão permanente, onde a nossa liberdade se cruza com a graça de Deus.

A nossa atitude de acolhimento do mistério do Natal e do presépio deveria ser uma atitude de abertura à luz, como rezaremos no final desta celebração: «Iluminai-nos sempre e em toda a parte com a vossa luz celeste, para que possamos contemplar com olhar puro e receber de coração sincero o mistério em que por vossa graça participamos»  ou ainda «Senhor nosso Deus, a quem os homens não procurariam se antes não Vos tivessem encontrado, fazei que a nossa maneira de viver nos leve a contemplar a vossa glória».

Também na bênção final invocamos a Deus que nos chamou das trevas à sua luz admirável, para que nos faça testemunhas da verdade diante dos nossos irmãos, até que terminada a nossa peregrinação sobre a terra possamos encontrar com alegria a Cristo Luz do mundo».

Angra, 2 de janeiro de 2022

 

Hélder Fonseca Mendes,

Administrador Diocesano de Angra e ilhas dos Açores