Sé. Angra.

Acabámos de escutar da parte de S. Paulo na sua primeira carta aos Corintios «Eu próprio recebi do Senhor o que por minha vez vos transmiti». Esta experiência do Apóstolo é constantemente renovada na comunidade cristã e na vida de cada baptizado pela acção do Espirito Santo que nos faz viver os acontecimentos salvíficos, cujo contexto histórico se localizam num determinado tempo, na realidade do presente das nossas vidas.

Deste modo também nós hoje podemos afirmar que estamos a receber da parte do Senhor o maior de todos os dons, a entrega da Sua vida feita presente no memorial da Ceia Pascal, realizada na primeira hora com os seus discípulos e hoje oferecida com os mesmos efeitos para cada um dos crentes que na comunidade cristã fazem a mesma experiência de povo convocado e necessitado do alimento que só Jesus Cristo poderá oferecer.

Mas estamos também perante o acontecimento da Ceia pascal de Jesus Cristo que nos compromete a transmiti-lo. Para uma verdadeira experiência cristã, de discípulos que se sentam à mesa com o Mestre, teremos de assumir este dupla exigência. Aceitarmos na humildade o convite a saborearmos a Ceia pascal, na fidelidade à vontade divina, e colocarmo-nos ao dispor de testemunharmos a beleza e o encanto do encontro com Jesus Cristo presente nos sinais eucarísticos do pão e do vinho.

Esta dupla exigência está muito presente no evangelho quando refere que Jesus de Nazaré, colocando-se em actitude de serviço, debruça-se para lavar os pés aos seus discípulos e perante a recusa orgulhosa de Pedro, afirma que «se não te lavar não terás parte comigo». Na verdade, é com este banho baptismal, regenerador, que tudo começa. Eis o grande serviço que Jesus Cristo presta a todo o ser humano para que se revista de Vida Nova, isto é, que participe da Sua vida divina.

Mas o Evangelho vai mais longe e oferece-nos a conduta de Jesus de Nazaré como modelo para a nossa missão como Seus discípulos. Por isso, afirma «também vós deveis lavar os pés uns aos outros».

Na linguagem de S. João, esta é a hora de Jesus de Nazaré. É a hora da revelação total de Deus na humildade do Seu Filho.

Deste modo, quem quiser encontrar-se com Deus, não o poderá fazer sem se colocar no local próprio onde Ele se dá a conhecer e nas circunstâncias pelas quais podemos ter acesso à Sua experiência. O local é a comunidade dos discípulos que se reúnem à volta do Mestre na docilidade à Sua Palavra e no acolhimento humilde e simples dos Seus gestos.

Também hoje, temos necessidade de deixar de viver uma fé cristã auto-referencial, a partir das nossas construções pessoais, das opiniões particulares ou dos nossos interesses e deixarmo-nos encontrar por Jesus Cristo que nos convida a participar em comunidade na Ceia pascal continuamente celebrada na Sua Igreja através da Eucaristia.

Mais ainda, a pertença a esta comunidade cristã que tem por finalidade ser presença da Vida Nova de Jesus Cristo, na qual cada cristão faz a Sua experiência, parte da iniciativa divina de nos preparar, purificando-nos de tudo o que nos apega ao mundo e nos afasta da comunhão com Deus e com os irmãos.

A Eucaristia é, deste modo, o serviço de Deus à humanidade na oferta do Seu Filho feita alimento para saciar a fome do Povo Peregrino na história, mas converte também a comunidade cristã e cada cristão que celebram a Fracção do Pão a tornar-se numa comunidade de serviço aos irmãos.

O serviço começa no interior da própria comunidade que lucidamente manifesta a partilha dos dons e carismas, serviços e ministérios entre os seus membros. Mas abre esta tarefa ao mundo de modo que a mesma missão de Jesus Cristo se torna a sua própria acção de servir a pessoa e a sociedade.

Esta é a hora na qual Deus se revela na Sua Igreja e compromete cada comunidade cristã. Agora sim têm pleno cumprimento, recebem a luz e o significado verdadeiro os gestos e acontecimentos narrados na primeira leitura que são já uma sombra e preparação para o que aconteceria na revelação plena em Jesus de Nazaré.

Do mesmo modo, esta é a hora da comunidade cristã, alimentada na Eucaristia, vivendo em profundidade a Ceia Pascal e deixando-se motivar pela força renovadora da presença real de Jesus Cristo, é chamada a interpretar os sinais, os gemidos, os acontecimentos e os anseios da humanidade de hoje que sendo realidades humanas exigem a luz nova, a recta orientação e a profundidade de significado que só poderá vir da Páscoa de Jesus Cristo.

Eis o manancial de vida, de graça e de revelação que a Eucaristia contem. Penetrar na Eucaristia, deixarmo-nos envolver e contemplar Aquele que aí se manifesta, é das tarefas mais belas, deliciosas, gratificantes e exigentes.

Estamos perante o Mistério que dá sentido ao mistério da vida humana que manifestando-se faminta e sedenta encontra a mesa abundante capaz de saciar a fome e a fonte refrescante capaz de saciar a sede na Eucaristia.

Usando as palavras de S. João Paulo II afirmamos que «do mistério pascal nasce a Igreja. Por isso mesmo a Eucaristia, que é o sacramento por excelência do mistério pascal, está colocada no centro da vida eclesial» (EE, 3).

De facto «há, no evento pascal e na Eucaristia que o actualiza ao longo dos séculos, uma “capacidade” realmente imensa, na qual está contida a história inteira, enquanto destinatária da graça da redenção» (Ib., 5). Com efeito, «este enlevo deve invadir sempre a assembleia eclesial reunida para a celebração eucarística» (Ib., 5).

Na linguagem de S. Paulo e na expressão com que todos nós aclamamos a Jesus Cristo Vivo, após a consagração, manifesta-se a projecção escatológica da Eucaristia. Assim, voltamo-nos para a vinda última de Jesus Cristo para nos empenharmos mais afincadamente na transformação do mundo presente.

Na verdade, «muitos são os problemas que obscurecem o horizonte do nosso tempo», e «também que dizer das mil contradições dum mundo  “globalizado”, onde parece que os mais débeis, os mais pequenos e os mais pobres pouco podem esperar?». Sem dúvida, «é neste mundo que tem de brilhar a esperança cristã! Foi também para isto que o Senhor quis ficar connosco na Eucaristia, inserindo nesta sua presença sacrificial e comensal a promessa duma humanidade renovada pelo seu amor» (EE, 20).

Realmente, a Eucaristia é o centro da actividade evangelizadora da comunidade cristã.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe Eucaristica, participante do Mistério Pascal do Seu Filho, que nos ajude a centrar a nossa vida cristã na vivência autêntica da Eucaristia.

Amen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores