Sé. Angra.

A assunção de Maria, em corpo e alma aos céus, é o cume de todas as aspirações de uma humanidade que se sabe limitada e se enfrenta com a morte. A assunção, como a transfiguração, a ressurreição e a ascensão de Jesus são a confirmação da vitória da vida sobre a morte. Por isso são uma força providencial para reactivar a utopia da humanidade, para reanimar a esperança do povo de Deus a fazer caso da mensagem da Bíblia, da Boa noticia do evangelho, da consigna de Maria no Magnifica.

Os santos Padres e os grandes Doutores da Igreja procuraram esclarecer que o objecto desta festa não é apenas a incorrupção do corpo mortal da Virgem Maria, mas também o seu triunfo sobre a morte e a sua glorificação celeste à semelhança de Jesus Cristo, seu Filho unigénito. Por exemplo para são João Damasceno afirma que:

* «Era necessário que Aquela que no parto tinha conservado ilesa a sua virgindade, conservasse também sem nenhuma corrupção o seu corpo depois da morte.

* Era necessário que Aquela que trouxera no seio o Criador feito menino fosse habitar nos divinos tabernáculos.

* Era necessário que a Esposa que o Pai desposara fosse morar com o Esposo celeste.

* Era necessário que Aquela que tinha visto o seu Filho na cruz e recebera no coração a espada de dor de que tinha sido preservada ao dá-l’O à luz, O contemplasse sentado à direita do Pai.

* Era necessário que a Mãe de Deus possuísse o que pertence ao Filho e que todas as criaturas a honrassem como Mãe de Deus».

Concluiu o Papa Pio XII que «estes argumentos e considerações dos Santos Padres têm como fundamento a sagrada Escritura, que nos apresenta a santa Mãe de Deus estreitamente unida ao seu Filho e sempre participante da sua sorte.

A Virgem Maria é apresentada como a nova Eva, estreitamente unida ao novo Adão, embora a Ele sujeita. Mãe e Filho aparecem intimamente unidos na luta contra o inimigo infernal, luta essa que havia de terminar na vitória completa sobre o pecado e a morte.

Assim a Mãe de Deus, foi por fim preservada da corrupção do sepulcro e, tendo vencido a morte como o seu Filho, foi elevada em corpo e alma à glória do Céu».

Que podem os sonhadores de utopias frente aos planos técnicos, científicos e políticos do sistema? Que podem esperar os pobres frente à terrível realidade dos factos? Que pode fazer uma mulher grávida frente a um dragão, diante da ameaça da violência sobre ela e da ameaça de morte do Filho?

Hoje não estamos longe dessas batalhas, como sejam a da violência sobre as mulheres, sobre os menores e sobre os idosos, bem como a ameaça da morte de um filho, que agora tem a primeira modalidade no que eufemísticamente chamamos de interrupção voluntária da gravidez. Tudo é feito em nome do direito individual, embora haja dúvidas se a morte de uma pessoa indefesa, ainda antes de nascer, é um direito unilateral de exclusivamente quem pode decidir. Por um lado, a decisão e o direito são individuais, porém o financiamento para o aborto é público, isto é, é repartido entre todos, pese embora a objecção de consciência dos médicos nos Açores. Pelo menos o mesmo critério deveria aplicar-se à hora dos cidadãos apresentarem a suas opções na declaração do IRS.

Antes de nos declararmos vencidos, antes de nos resignar à realidade, prestemos ouvidos à palavra de Deus. O Apocalipse apresenta uma batalha desigual entre um enorme dragão com todos os meios à sua disposição, que ameaça destruir a mulher que estava aponto de dar à luz e de engolir o menino mal nascesse. O certo é que o Filho nasce, domina e salva o mundo.

A mulher, de momento está a salvo, e com ela a esperança do mundo. Essa mulher é Maria, já assunta no céu. Essa mulher é o povo eleito, já redimido. Essa mulher é Israel, é a Igreja peregrina no mundo. Essa mulher é a humanidade, pois ainda há sonhadores, poetas e profetas, voluntários e comprometidos na causa da justiça, que vivem pela liberdade, pela igualdade e pela fraternidade entre todos. Maria é a Mãe de todas as batalhas. Nos perigos é vencedora, sobre o pecado e sobre a morte.

O festival de folclore que nos reúne nesta assembleia ecuménica e internacional, onde se celebra a Eucaristia para os católicos, é a prova que no meio de tantas diferenças nos podemos entender. Melhor do que na guerra, pois os países aqui presentes são praticamente os mesmos.

O que nos move é o prazer da gratuidade, da beleza e da alegria, que é comum a todos os grupos e a cada participante, mas que se diz e manifesta de um modo diferente em todos eles, seja pela dança, pela música e pela letra. Essa diferença não é porém motivo de desagrado ou desunião, mas pelo contrário, é razão de admiração e de respeito. Que lição nos dão para o resto da nossa vida colectiva numa sociedade global.

Diz o evangelho de hoje que Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente à montanha para ajudar Isabel. Neste contexto é saudada por Isabel. Então Maria canta o magnífico poema que o evangelho apresenta na íntegra. Este será o tema das próximas jornadas mundiais da Juventude, em Lisboa, de 1 a 6 de Agosto de 2023, para as quais os jovens de Portugal e de todos os países aqui presentes estão convidados a participar. A partir do verbo e da acção de se levantar de Maria, o papa Francisco dirigiu uma rica mensagem a todos os jovens, que convido a lerem na página Web na sua própria língua.

Perguntemo-nos então: Temos esperança? Vivemos com gosto de aspirar e subir ao céu algum dia? Já começamos a subir? Que me diz a assunção da Maria? Não me alegra, não me anima e estimula a continuar a trabalhar pelo reino de Deus que já está aqui, onde são enaltecidos e é reconhecida a dignidade dos humilhados, dos menosprezados, dos que não contam, nem são tidos em conta pelo sistema deste mundo?

Sobre os que já nos deixaram, e passaram pela morte como Jesus, Maria e José, rezemos a oração da igreja pelos defuntos: «Para quem acredita em Vós Senhor Jesus a vida não acaba, apenas se transforma e desfeita a morada deste exílio terrestre uma habitação eterna adquirimos no Céu». Assim cremos, assim o queremos.