Sé de Angra.

«O Espirito do Senhor está sobre Mim, porque Ele Me ungiu e enviou-Me a anunciar a Boa Nova aos pobres».

Com estes termos Jesus Cristo assume a realização das promessas contidas nas mesmas palavras proferidas pelo profeta Isaias, a participação do ministério ordenado na Sua pessoa e na Sua missão, e coloca nos nossos lábios e no nosso coração de sacerdotes, configurados com Jesus Cristo, a mesma concretização ao longo da história.

Esta permanente actualidade que hoje nos implica a nós está na expressão «cumpriu-se hoje mesmo este passo da Escritura que acabais de ouvir».

Perante um Povo que vive a expectativa da libertação, o profeta sonha com o Ungido de Deus que se realizará em Jesus Cristo. Sim Jesus Cristo é o centro da história, só Ele é verdadeiramente Ungido do Pai, só n’Ele se encontra a plena libertação do Seu povo.

Este ponto é fundamental para a compreensão do nosso ministério sacerdotal. Tudo o que somos e tudo o que realizamos é participação do ser e da missão de Cristo. Não o somos de maneira autónoma.

Por isso, temos necessidade permanentemente de aprofundarmos esta verdade sobre o nosso ser e sobre o no agir como sacerdotes. Só na comunhão de vida com Cristo saborearemos o alcance da nossa vocação sacerdotal; só envolvidos no mistério pascal de Cristo reconheceremos a verdade sobre o nosso sacerdócio enquanto participação do sacerdócio de Cristo.

Só deste modo ultrapassaremos o flagelo de considerarmos o exercício da função sacerdotal como profissão para nos abandonarmos no coração de Jesus Cristo que nos configura a Ele mesmo para nos enviar em missão, totalmente despojados de nós mesmos e tão só enriquecidos da vida de Cristo para a tornar presente no meio dos homens e mulheres do nosso tempo.

Di-lo o texto da magnifica Exortação Post Sinodal Pastores Dabo Vobis ao afirmar que «o presbítero, de facto, em virtude da consagração que recebe pelo sacramento da Ordem, é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo, ao qual como Cabeça e Pastor do seu povo é configurado de modo especial para viver e actuar, na força do Espírito Santo, ao serviço da Igreja e para a salvação do mundo» (nº 12).

Para vincar ainda mais esta referência a Cristo, o texto citado afirma que o presbítero encontra a verdade plena da sua identidade no facto de ser uma derivação, uma participação específica e uma continuação do próprio Cristo sumo e único Sacerdote da nova e eterna Aliança: ele é uma imagem viva e transparente de Cristo Sacerdote».

Já que «o sacerdócio de Cristo, expressão da sua absoluta “novidade” na história da salvação», ele «constitui a fonte única e o insubstituível paradigma do sacerdócio do cristão, e, especialmente, do presbítero». Por isso, «a referência a Cristo é, então, a chave absolutamente necessária para a compreensão das realidades sacerdotais» (nº 12).

O hoje que marca a permanente exigência na configuração do ser e da missão sacerdotal a Cristo vivido em cada contexto histórico abre o nosso olhar para o perfil do sacerdote segundo a reflexão conciliar e posteriormente no Pontificado dos últimos Papas.

O sacerdote é chamado a estar no seio da Igreja e no mundo como Pastor à imagem Cristo o Bom Pastor. Como diziam os Padres Sinodais, «a vida e o ministério do sacerdote são a continuação da vida e da acção do próprio Cristo. Esta é a nossa identidade, a nossa verdadeira dignidade, a fonte da nossa alegria, a certeza da nossa vida» (Mensagem dos Padres sinodais ao Povo de Deus, 1990).

A partir desta profundidade do mistério que nos envolve e nos alimenta, compreenderemos que «hoje, de uma forma particular, a prioritária tarefa pastoral da nova evangelização, que diz respeito a todo o Povo de Deus e postula um novo ardor, novos métodos e uma nova expressão para o anúncio e o testemunho do Evangelho, exige sacerdotes, radical e integralmente imersos no mistério de Cristo, e capazes de realizar um novo estilo de vida pastoral, marcado por uma profunda comunhão com o Papa, os Bispos e entre si próprios, e por uma fecunda colaboração com os leigos, no respeito e na promoção dos diversos papéis, carismas e ministérios no interior da comunidade eclesial» (PDV, 18).

Neste breve texto deparamo-nos com o programa de vida para o ser e o agir do sacerdote para responder às exigências do nosso tempo. Homem imerso no mistério de Cristo; capazes de encetar um novo estilo de vida pastoral marcado pela profunda comunhão ministerial e com os leigos; promotor de carismas e serviços eclesiais; promovendo uma autêntica comunidade cristã.

Caros sacerdotes estamos a tocar o mais fundamental do nosso ministério. Muito gostaria que meditássemos neste programa de vida e de acção para o bem de cada um, do nosso presbitério e para uma eficácia na nossa missão pastoral.

A nossa diocese, dada a sua configuração geográfica exige um redobrado esforço por caminhar na comunhão eclesial. A primeira instância de vida em comunhão realiza-se no presbitério. Comunhão que tem de ser visível e sensível. Tem de se concretizar no despojamento dos interesses pessoais para se abrir mais à convivência para com os seus irmãos de modo que as preocupações de uns sejam a preocupação de todos.

A nossa diocese tem de ser vista como uma comunhão de comunidades, na unidade e na sintonia na missão. Apelo a um redobrado esforço para caminharmos neste sentido na comunhão presbiteral.

Da comunhão brota a corresponsabilidade. Cada um de nós integra um presbitério que deve sentir-se em todos os seus membros responsável pela missão da mesma diocese, seja a nível paroquial, serviços diocesanos ou organismos de apostolado.

Configurados a Cristo, transformados no Seu mistério pascal, enviados a proclamar a Boa Nova aos pobres.

O nosso estilo de vida não poderá ser outro que o de Cristo, pobre, casto e obediente.

Num mundo que questiona o ser e a missão do sacerdote, urge recolocarmo-nos seriamente como sinal profético do ser e do agir de Cristo no meio do mundo. É desta autêntica liberdade, porque Cristo nos libertou, que nós somos dispensadores.

Não fiquemos presos às nossas ideias, aos nossos interesses particulares, à sintonia com os aplausos do mundo, mas deixemo-nos libertar por Cristo no amor, na comunhão e na partilha fraterna.

Por isso o nosso ser e o nosso agir se exprime como caridade pastoral.

A caridade pastoral no pensamento da Igreja é aquela virtude pela qual nós imitamos Cristo na entrega de Si mesmo e no Seu serviço. Não é apenas aquilo que fazemos, mas o dom de nós mesmos que manifesta o amor de Cristo pelo seu rebanho. A caridade pastoral determina o nosso modo de pensar e de agir, o modo de nos relacionarmos com as pessoas. E não deixa de ser particularmente exigente para nós” (cfr. PDV, 23).

O sacerdote é o homem da oração que tem uma familiaridade com Jesus Cristo que se torna notória na sua vida.

De tal modo que «os cristãos esperam encontrar no sacerdote não só um homem que os acolhe, que os escuta com todo o gosto e lhes testemunha uma sincera simpatia, mas também e sobretudo um homem que os ajuda a ver Deus, a subir em direcção a Ele» (PDV, 47). É necessário, portanto, que o sacerdote seja formado para uma profunda intimidade com Deus.

A fecundidade da missão pastoral está na vivência da intimidade com Jesus Cristo feita na oração, no sacramento da Eucaristia, no sacramento da reconciliação e na meditação da Palavra de Deus.

As vocações sacerdotais brotam do seio de famílias que educam os seus filhos para responderem a Jesus Cristo, saem das paróquias que formam os jovens e as crianças para escutarem o apelo de Cristo, mas têm o seu maior impulso num presbitério que vive na alegria e na comunhão a sua missão.

Vamos empenhar-nos no estímulo a novas vocações sacerdotais.

Que Nossa Senhora Mãe dos sacerdotes nos abençoe e nos acolha no seu regaço para nos inspirar na vida e na acção que nos eleva até ao sacerdócio de Seu Filho.

 

+João Lavrador

Bispo de Angra e Ilhas

2016