Santa Maria.

1. A solenidade da Epifania do Senhor é a Festa missionária da Igreja. Efetivamente, “Epifania” significa “manifestação”. Hoje a Igreja celebra a manifestação missionária da Igreja a todos os povos, representados, nomeadamente pelos Reis Magos.
As leituras da liturgia hodierna fazem-nos compreender que Jesus é a “luz” que se acende na noite do mundo para atrair a Si todos os povos da terra.

Na primeira leitura, o profeta anuncia a chegada da luz salvadora de Jahvé, que transfigurará Jerusalém e que atrairá à cidade de Deus povos de todo o mundo. Convergirão para Jerusalém povos de toda a terra como assinala a primeira leitura.
No texto evangélico, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os “magos” do Oriente, representantes de todos os povos da terra… Atentos aos sinais da chegada do Messias, procuram-No com esperança, até O encontrar, reconhecem n’Ele a “salvação de Deus” e aceitam-No como o “Senhor”.

É assim: a salvação rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os homens.
E, por fim, a segunda leitura, pelas palavras de São Paulo, aos Efésios, apresenta o projeto salvador de Deus, que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos, numa mesma comunidade de irmãos. Paulo fala do projeto salvador de Deus, como o “mistério”, escondido durante séculos, agora revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e nos “últimos tempos” tornado presente no mundo pela Igreja.

A perspetiva de que Deus tem um projeto de salvação para oferecer ao Seu povo – já anunciado na primeira leitura – assume aqui, na Carta aos Efésios, novos desenvolvimentos:

-Antes de mais, São Paulo quer fazer-nos compreender que Cristo é a revelação e a realização plena do projeto salvífico de Deus.

-Depois, a segunda novidade é que esse projeto salvífico de Deus não se destina apenas à cidade santa de Jerusalém (isto é, apenas ao mundo judaico), mas é oferecido a todos os povos da terra.

Destinatários, todos, do “mistério”, somos “filhos de Deus” e irmãos uns dos outros. Esta fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade…

Tal é a perspetiva da expansão missionária da Igreja. Não é para dominar, mas para servir, como o Filho de Deus feito homem. Veio ao mundo, fez-se um de nós, para servir e dar a vida.
“O Seu caminho é também o nosso caminho.”

2. Este texto do evangelho é, na perspetiva de São Mateus, uma autêntica catequese. Não é propriamente uma narração histórica de factos. É uma catequese, em que o evangelista insiste:

-Em primeiro lugar no facto de Jesus ter nascido em Belém, que era a terra natal do rei David e estava ligada à família de David. Mateus pretende ligar Belém aos anúncios proféticos que falavam do Messias, como descendente de David.

-Em segundo lugar, a referência a uma estrela especial, que conduziu “os magos” para Belém, está ligada à crença popular da época, que referia que o nascimento de um personagem importante era acompanhado pela aparição de uma nova estrela.

-Depois temos ainda as figuras dos “magos”, palavra que se aplica a diversas categorias de pessoa. Mateus poderia estar a designar astrólogos mesopotâmicos, representando esses povos estrangeiros de que fala Isaías, na primeira leitura, que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas, para encontrar a luz salvadora de Deus, que brilha sobre a cidade santa. Na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, Jesus é essa luz prometida.

-Além de uma catequese sobre Jesus, esta narrativa de Mateus recolhe, de forma paradigmática duas atitudes, que se vão repetir, ao longo de todo o Evangelho:
*O povo de Israel rejeita Jesus, enquanto os magos do Oriente (que são pagãos) O adoram;
*Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” diante da história do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu Salvador.
Mateus anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu povo, mas vai ser acolhido pelos pagãos, que passarão a fazer parte do Povo de Deus.

O itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que os pagãos percorrem para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus -que conhecem as Escrituras- o que fazer, encontram Jesus e adoram-No como “Senhor”.
É muito possível que um grande número de pagãos, cristãos da comunidade de Mateus descobrisse, neste relato, as etapas do seu próprio caminho, em direção a Jesus.

3. Os “magos” são apresentados, neste relato de Mateus:

-Como os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada de libertação…

-Impressiona também, no relato de Mateus, a “desinstalação dos “magos””: viram a “estrela”, deixaram tudo, arriscaram e foram procurar Jesus.

-Ao fim e ao cabo, os “magos” representam os homens de todo o mundo, que vão ao encontro de Cristo e acolhem a proposta libertadora que Ele traz. É a imagem da Igreja – essa família de irmãos, construída por gente de muitas raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o Seu Senhor.

-Enfim, comparemos as várias atitudes dos personagens que Mateus apresenta em confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo… Essas atitudes vão desde a adoração dos “magos”, até à rejeição de Herodes, passando pela indiferença dos sacerdotes e escribas; nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias, que eles conheciam bem dos textos sagrados…
Pergunta final: Com quem nos identificámos nós?

+António, Bispo de Angra