Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres.

Rev.mo Mons. Hélder de Sousa Mendes, Administrador Diocesano

Rev.mos Sacerdotes e Diáconos

Rev.mos Religiosos e Religiosas

Queridos irmãos e irmãs no Senhor Jesus Cristo

A celebração litúrgica do Domingo de Ramos carateriza-se por dois elementos muito importantes e significativos: o primeiro é a entrada de Jesus em Jerusalém, entre o povo que, segundo a narrativa do Evangelista São Lucas, estendia as suas capas no caminho e os discípulos que gritavam: “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor. Paz no Céu e glória nas alturas”. O segundo elemento é a proclamação da paixão de Jesus, que este ano foi tomada do Evangelho segundo S. Lucas.

Trata-se de dois factos que aconteceram, em Jerusalém, no arco temporal de poucos dias e que são claramente contrastantes: primeiro a alegria, as aclamações, a festa do povo e dos discípulos que reconheciam Jesus como o Messias; e poucos dias depois, a maioria da gente presente no Pretório pede a Pilatos que mande matar Jesus gritando: “Crucifica-O! Crucifica-O!”.

Mas que se passou? Como é possível uma mudança tão radical? Onde estavam todos os que poucos dias antes o tinham aclamado, muitos deles testemunhas de todo o bem feito por Jesus e dos milagres por Ele realizados? Onde estavam todos os que o admiravam? Como é possível uma mudança tão repentina da gente? A todas estas preguntas posso oferecer algumas respostas e reflexões:

Os que aclamaram Jesus na entrada triunfante em Jerusalém não eram os mesmos que gritaram “Crucifica-O!”. Não há dúvida que aqueles que admiravam Jesus, que acreditavam Nele, que eram profundamente agradecidos pelo bem recebido não gritaram “Crucifica-O!”. Provavelmente muitos deles estavam ali e não tiveram a coragem de se opor à manobra que os chefes religiosos e civis do povo já tinham decidido, ou seja, de eliminar Jesus.  Assim, como acontece muitas vezes nas histórias humanas, um pequeno, mas aguerrido grupo de agitadores e desordeiros conseguiu pressionar Pilatos a condenar à morte Jesus, o Filho de Deus. E todos os outros ficaram ali, paralisados pelo medo, tornando-se assim cúmplices de uma terrível injustiça. Foi o mesmo medo pelo qual o apóstolo Pedro negou Jesus por três vezes.

O que aconteceu nos últimos dias da vida de Jesus obriga-nos a refletir sobre várias situações nas quais também nos não intervimos por medo das consequências, das represálias, do que a gente pode pensar. Assim acabamos por trocar vantagens imediatas, relativas e passageiras por valores fundamentais como a vida, a justiça, a verdade, a liberdade, de maneira especial a liberdade religiosa.

Como inúmeros mártires fizeram no decurso da história da Igreja, também nós devemos rejeitar esta troca totalmente desfavorável e inaceitável para um cristão. Devemos rejeitá-la na nossa vida pessoal ou comunitária, assegurando a nossa proximidade aos nossos irmãos na fé que pagam um preço muito alto por defender a fé, a verdade e a justiça, assim como o bem da Igreja, da família, das crianças e dos doentes.

Quem pode dar-nos a força e a coragem de reagir frente a uma injustiça, um erro, uma mentira, um engano, um abuso? É o nosso amor a Jesus Cristo que por nós, primeiro, deu o seu sangue para a nossa salvação, e não obstante sermos pecadores. Só a consciência de dever pagar uma grande dívida de amor a Jesus nos dá a força de enfrentar qualquer consequência, desejando seguir Jesus, tomar a nossa cruz, como também oferecer amor, solidariedade, empatia e ajuda aos que, como Jesus sofrem no corpo e no espírito.

Assim a grande e linda devoção que existe nesta ilha à preciosa imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres deveria ser expressão da vontade de se colocar ao lado de Jesus atribulado e de todos os que como Ele são vítimas da violência e da injustiça, do engano e da mentira. Venerar Jesus “Ecce homo”, significa comprometer-se a eliminar o medo, a mediocridade e a indiferença, e tomar o compromisso de não olhar para o outro lado, mas, como bons samaritanos, cuidar dos mais débeis, pobres e atribulados. Significa também sentir-se unidos pela recordação e a oração aos nossos irmãos na fé que, por ser fiéis a Jesus, em diferentes Países do mundo sofrem a perseguição, a discriminação e a violência. Esta proximidade e solidariedade espiritual deveria depois expressar-se num renovado compromisso de viver a nossa fé em Jesus com particular generosidade e fidelidade, conscientes do privilégio de viver a nossa fé num ambiente sereno e respeitoso. Que este privilégio se transforme num compromisso de viver a fé, a esperança e a caridade com um particular empenho e generosidade.

Que a Virgem Maria, Rainha dos profetas, dos apóstolos e dos mártires, nos ajude a retribuir de maneira adequada o grande amor que o seu Filho teve e continua a ter por nós. Trata-se de pagar a grande dívida de amor que temos para com Ele, que por nosso bem aceitou a experiência da paixão e da morte.

 

+ Ivo Scapolo

Núncio Apostólico

Ponta Delgada, 10 de abril de 2022