Igreja de São José. Califórnia

Diz-nos o Evangelho que se levantou um doutor da lei e perguntou a Jesus para O experimentar: «Mestre,  que hei-de fazer para receber como herança a vida eterna?».

Esta é sem dúvida a questão fundamental da vida de cada pessoa humana. É precisamente à volta desta interrogação vital que gira todo o progresso da humanidade e o desenvolvimento das capacidades de cada individuo.

O homem tem como horizonte não uma vida qualquer mas sim aquela que se manifeste plena de sentido, de realização e de felicidade. Por isso, este doutor da lei representa a humanidade no seu todo e em todos os tempos que coloca perante Jesus de Nazaré a questão mais fundamental da sua existência.

Porém, se esta pergunta que é ao mesmo tempo a maior das inquietações da humanidade e está presente em toda a pessoa, já o facto de reconhecer a quem se deve colocar não é para todos. Pertence aos discípulos de Jesus Cristo saberem estar atentos aos sinais pelos quais esta inquietação se manifesta nos homens de hoje para os levar até Jesus Cristo e, de igual modo, oferecer a resposta que só de Cristo pode vir.

A palavra de Deus oferece três dimensões para responder a esta interrogação. A primeira refere-se aos mandamentos, a segunda à comunhão de vida em Cristo e a terceira no amor ao próximo.

Seguindo a primeira leitura e o próprio Evangelho somos convidados a reconhecer os mandamentos como manifestação da vontade de Deus para nos guiarem em direcção à realização humana.

Perante o resumo que o doutor da lei faz dos mandamentos ao afirmar «amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo», Jesus responde-lhe: «respondeste bem. Faz isso e viverás».

Eis a resposta que nos é oferecida hoje. Também a nós Jesus Cristo nos diz que temos capacidade de encontrar o caminho da felicidade e uma vez reconhecido devemos praticá-lo.

A primeira leitura, a partir de Moisés afirma que esta vontade divina está ao alcance de toda a humanidade. Não é privilégio de alguns. Para que tal seja possível, deve reconhecer-se que Deus colocou no coração de cada criatura a Sua vontade para que esta a procure e pratique.

Diz Moisés: «este mandamento que hoje te imponho não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance», e ainda, «esta palavra está perto de ti, está na tua boca e no teu coração, para que a possas pôr em prática».

Há, sem dúvida, uma pergunta que nos inquieta e que não é fácil obter a resposta quando nos deparamos com tanta gente que não reconhece a vontade de Deus e muito menos a pratica.

São Paulo na Carta aos Romanos oferece-nos a seguinte resposta: «com efeito, o que é invisível nele – o seu eterno poder e divindade – tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras».

E, continua, «por isso, não se podem desculpar. Pois, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram nem lhe deram graças, como a Deus é devido. Pelo contrário: tornaram-se vazios nos seus pensamentos e obscureceu-se o seu coração insensato. Afirmando-se como sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus incorruptível por figuras representativas do homem corruptível, de aves, de quadrúpedes e de répteis» (Rom. 1, 20-23).

Por isso, S. Paulo reconhece que a falta de conhecimento de Deus que Se revela nas obras criadas se deve ao pecado que obscurece a inteligência.

De igual modo é pelo obscurecimento da consciência que o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus e participante da Sua vida, não deixa emergir no seu intimo os mandamentos que estão latentes no seu coração.

Contudo, a perfeita revelação de Deus está na encarnação do Seu Filho, Jesus Cristo. Como também o homem perfeito está em Jesus de Nazaré.

São Paulo, na Carta aos Colossenses afirma isto mesmo dizendo que «Cristo Jesus é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura»; e acrescenta sublinhando que «aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude».

Deste modo, passamos dos mandamentos como itinerário para chegarmos a Jesus Cristo. N’Ele contemplamos a vida de Deus e n’Ele reconhecemos o convite a caminhar para a Sua perfeição.

Não somos meros cumpridores de normas, leis, ou doutrinas, somos essencialmente seguidores de Jesus Cristo. Na verdade, «o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente» (GS. 22).

Mas a comunhão com Jesus de Nazaré leva ao encontro com os irmãos. Neste sentido, Jesus oferece-nos a parábola do samaritano para nos convidar a fazer o mesmo. Amar a Deus impele ao amor aos mais excluídos.

Nesta Eucaristia estamos também a dar graças a Deus por cem anos de vida da comunidade cristã que nesta Igreja encontrou lugar para se encontrar com Deus e para crescer como comunidade. Salta do nosso intimo sentimentos de gratidão para quantos desde a primeira hora se lançaram nesta aventura de edificar este tempo que completa a bonita idade de cem anos e de promover  a comunidade que a partir da pessoa de Jesus Cristo proporcionou um testemunho evangélico que atravessou várias gerações até hoje.

Mas, se celebrar é recordar o passado e dar graças a Deus por tantos que nos legaram o bem que hoje possuímos, é igualmente compromisso para hoje e para o futuro.

Na verdade pertence a todos os cristãos que se reconhecem a participar activamente nesta comunidade de S. José o dever de viver e testemunhar de tal modo a sua fé em Jesus Cristo que ofereçam à sociedade actual as razões profundas do seu viver.

De igual modo, devemos colocar os olhos no futuro e reconhecer que este dependerá em grande medida do que fizermos hoje. Permitam-me que convide os jovens a sentirem-se participantes activos desta comunidade. Muito poderemos aprender deles mas também muito poderão eles aprender daqueles que já amadureceram pelo passar dos anos e pela experiência de doação aos outros.

Para vós jovens, com os vossos sonhos, projectos, alegrias e apreensões, olha a Igreja com o desejo de contar com a vossa participação activa para que se possa tornar mais jovem.

Ao mesmo tempo que venho partilhar da vossa alegria, dar graças a Deus convosco pelos cem anos desta comunidade cristã que tem nesta Igreja o sinal do amor a Deus e aos irmãos, venho partilhar convosco dos vossos sonhos num futuro melhor, facto que vos trouxe até qui.

Esta Igreja reflecte para nós hoje a firmeza de fé que nutriam os nossos primeiros emigrantes que sabiam que um futuro melhor nunca poderá ser edificado sem a presença de Deus. É bem expressiva a referência às cinco chagas de Jesus Cristo que provocam em cada cristão a alegria de entrar no mistério da Paixão do Senhor e nele saborear a abundância de vida que sobre a comunidade cristã é derramada.  Belo exemplo para nós hoje.

Voltando á pergunta do Evangelho que continua a despertar em todos nós o desejo de ir mais além, ela exige a mesma resposta da primeira hora. A vida plena e com sentido, a vida em felicidade só será possível amando a Deus e amando os irmãos.

Eis o sentido da comunidade cristã. Ela oferece à pessoa o fundamental das suas relações. Relação com Deus e relação com os outros irmãos. Daí o testemunho perante o mundo tantas vezes mergulhado no egoísmo, no individualismo e na autoreferência.

Que a fé vivida nas vossas origens e aqui progressivamente praticada seja motivo de alegria e de auto-estima para as novas gerações. Que Cristo seja sempre o centro do vosso caminhar e n’Ele se concretizem todos os vossos sonhos e projectos.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe de Jesus Cristo, e S. José seu Esposo, que vos acompanhe e abençoe, às vossas famílias, crianças, jovens e idosos, aos que sofrem alguma perturbação e aos excluídos a pedir a presença de um samaritano, e nos guiem pelos caminhos da evangelização do mundo de hoje.

 

Amen

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores