Santuário da Esperança. Ponta Delgada, 18 Set 2016.

Reunimo-nos para celebrar a Eucaristia e nela homenagear o Mons. Augusto Cabral que ao longo de vários anos serviu este Santuário do Senhor Santo Cristo. Dadas as suas condições de precária saúde e de idade exigem que seja aliviado deste trabalho pastoral para que possa usufruir das condições mais condignas com a sua situação pessoal.

A Palavra do Senhor que acabámos de escutar coloca-nos perante duas atitudes fundamentais. A primeira tem a ver com a nossa condição de cidadãos do mundo onde vivemos; a segunda refere-se ao essencial da vida da pessoa que deve ser testemunhado pelo cristão.

A Igreja está no mundo para lhe oferecer o Evangelho de modo a que o Reino de Deus se estabeleça na vida de toda a humanidade. O Evangelho na medida em que penetra na vida pessoal e comunitária oferece um novo estilo de vida mas é também denúncia daquilo que é contrário à dignidade humana.

Neste sentido, escutamos S. Paulo a dizer-nos na segunda leitura que Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. E, a mais fundamental das verdades é que Deus é um só e que Jesus Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens que se entregou à morte para a redenção de todos.
Mas a atitude de denúncia está muito presente na profecia de Amós. Aí se reflecte a posição de alguns que se sentem donos do mundo, que colocam nas coisas materiais toda a sua esperança e espezinham os mais débeis. Todos reconhecemos a actualidade desta postura.

Por isso, S. Paulo convida-nos como fez a Timóteo para que rezemos pelos nossos governantes para que conduzam a sociedade pelos caminhos da justiça, da paz, pela defesa da dignidade humana e pela atenção privilegiada pelos mais pobres.
Mas a Palavra de Deus convida-nos a viver o essencial da vida cristã para que sirva de testemunho a todos os homens e mulheres do tempo de hoje.

Esta atitude está muito presente na obrigação de decidir a quem seguir, a Deus ou ao dinheiro. Por isso, Jesus após ter reconhecido que os que vivem à maneira do mundo são muito mais espertos que os discípulos de Jesus Cristo e de ter paradoxalmente elogiado aqueles que pensam em perseverar a sua vida após o abandono daqueles a quem servem, afirma «nenhum servo pode servir a dois senhores» e ainda «não podeis servir a Deus e ao dinheiro».
Com esta parábola de difícil interpretação, Jesus quer chamar-nos a atenção para a nossa escolha enquanto vivemos no mundo, de modo que quando faltarem as seguranças mundanas tenhamos a certeza do encontro com Deus que é a confiança plena que nunca nos abandona.

Estas duas atitudes fundamentais oferecem-nos a luz para reconhecer a entrega da vida sacerdotal do Mons. Augusto Cabral. Sendo estes dois princípios que nortearam a reflexão conciliar do Vaticano II estão bem vincados no exercício pastoral da vida do Reitor deste Santuário.

Tendo recebido a sua ordenação presbiteral em 1960, viveu os seus primeiros anos de sacerdote acompanhando a renovação que o concilio provocava na Igreja; como professor e reitor do Seminário foi chamado a formar aqueles que serviriam a diocese norteados pela aplicação progressiva da doutrina conciliar; como Vigário Geral da Diocese teve a seu cargo a orientação jurídica e pastoral onde o concilio era a luz que iluminava a caminhada diocesana; como director nacional do secretariado da catequese promoveu a elaboração dos catecismos que ainda estão em vigor e contribuiu, deste modo, para a renovação da catequese em Portugal; e, por último, como Reitor deste Santuário, todos reconhecemos a sua capacidade de escuta, de acolhimento e o seu testemunho sacerdotal que a ninguém deixava indiferente.

Bem haja Mons. Augusto Cabral pela sua vida sacerdotal tão edificante que a todos nós nos engrandece.

Na sua pessoa e no modo como vive o sacerdócio vem-nos à mente as palavras da Exortação Pastores Dabo Vobis que num dado passo diz que «o sacerdote é o homem de Deus, aquele que pertence a Deus e faz pensar em Deus» (nº47).
Sentimos que nesta passagem está bem reflectida em síntese a riqueza de vida do Mons. Augusto Cabral ao longo destes anos de vida sacerdotal.

O Papa Francisco no Jubileu dos sacerdotes propunha que o trabalho pastoral dos presbíteros fosse realizado tendo como fonte a Cristo o Bom Pastor. Dizia ele que «o Coração do Bom Pastor diz-nos que o seu amor não tem limites, não se cansa nem se afasta jamais». Perante tantas tarefas que temos a desempenhar, o Santo Padre questiona-nos com a pergunta: «onde está o nosso coração?». Será como o de Cristo que está inclinado exclusivamente para Deus e para as pessoas?

Reconhecemos que o Mons. Augusto Cabral respondeu acertadamente a esta pergunta e por isso é para nós um exemplo a seguir.

Mas o Papa Francisco desafia-nos a inflamarmos o nosso coração na caridade de Jesus Cristo e, nomeadamente, seguindo o exemplo do Bom Pastor que dá a vida pelas Suas ovelhas, o presbítero nas palavras do Papa, é ungido para o povo, não para escolher os seus próprios projetos, mas para estar perto do povo concreto que Deus, através da Igreja, lhe confiou.

O Papa convida os presbíteros a viverem a alegria. Dado que «a alegria de Jesus Bom Pastor não é uma alegria por Si, mas uma alegria pelos outros e com os outros, a alegria verdadeira do amor, do mesmo modo esta é também a alegria do sacerdote.

Porque o presbítero é transformado pela misericórdia que dá gratuitamente.

Como síntese o Papa exorta os sacerdotes dizendo que «na oração, descobre a consolação de Deus e experimenta que nada é mais forte do que o seu amor». Ancorado neste infinito amor de Deus «permanece sereno interiormente, sentindo-se feliz por ser um canal de misericórdia, por aproximar o homem do Coração de Deus». Fortalecido pela misericórdia divina, «nele a tristeza não é normal, mas apenas passageira; a dureza é-lhe estranha, porque é pastor segundo o Coração manso de Deus».

Procurar, incluir e alegrar-se. Três atitudes que se transformam em acção pastoral. Três reflexos da alma do Mons. Augusto Cabral. Por isso louvamos a Deus pelos dons com que engrandeceu a sua pessoa e como através de si realizou maravilhas em todos os sectores onde trabalhou na diocese e mesmo na Igreja em Portugal.

Rogamos ao Senhor que lhe reforce a saúde e lhe dê muitos anos de vida para podermos continuar a usufruir da sua sabedoria acumulada ao longo de tantos anos de exercício pastoral e da profundidade do seu pensamento e da sua oração.
Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores e do Seu Filho, o Santo Cristo dos Milagres que o abençoem com as Suas graças para que continue a oferecer-nos o testemunho do Bom Pastor que se dá inteiramente pelos que ama.

Amen.

+João Lavrador
Bispo de Angra e Ilhas dos Açores