Sé Catedral.

Tal como Maria de Magdala, Pedro e João, somos convidados a deslocarmo-nos até ao túmulo onde a história afirma que Jesus de Nazaré foi sepultado para com eles podermos verificar que Ele não está aí, mas está ressuscitado, Vivo e Glorioso.

Diz-nos o Evangelho que esta experiência se realiza no primeiro dia da semana. Aliás, no Evangelho de S. João, destaca-se o primeiro dia da semana, o domingo, como o tempo que proporciona a experiência da Ressurreição. Deste modo, os discípulos de Jesus de Nazaré, reconheceram que o domingo não poderia ser vivido do mesmo modo que qualquer outro dia da semana.

Esta mesma consciência e experiência fica a marcar o ritmo do tempo de todos os baptizados. Na verdade, para fazer uma verdadeira experiência da Ressureição de Jesus de Nazaré, teremos de diferenciar o tempo, isto é, devemos assinalar o domingo como tempo da experiência do Ressuscitado, tempo da nova criação, tempo da emergência da dignidade profunda da pessoa humana que se regenera na comunhão com Deus, tempo de celebração do mistério pascal de Jesus Cristo através da Eucaristia.

De facto, uma das enormes dificuldades que se colocam à sociedade de hoje, e nomeadamente aos cristãos, para a verdadeira experiência do Ressuscitado, é a falta de consciência ou de oportunidade para se viver o domingo como distinto dos outros dias da semana, caracterizá-lo como experiência autêntica da nova criação.

Deste modo somos encaminhados ao encontro dos desafios que S. Paulo coloca à comunidade dos Colossenses quando os convida a ressuscitar com Cristo e, como tal a aspirar às coisas do alto e não às da terra. Na verdade, pelo baptismo todos nós fizemos a experiência de morrer com Cristo para o homem velho e ressurgir homem novo. Assim, o facto de sermos baptizados, revestido da Vida Nova de Cristo, converte-nos em pessoas novas, isto é, novas na ordem dos pensamentos, dos afectos, das opções e dos critérios, dos valores. Pela inteligência e coração renovados e transfigurados, encaminhamo-nos para viver segundo a maneira renovada a que nos chama Jesus Cristo, Vivo e Ressuscitado, numa esperança que não se restringe às coisas do mundo mas, uma vez em comunhão verdadeira com Deus em Jesus Cristo, somos pessoas em partilha comunitária, numa oferta total de nós mesmos a Deus e aos irmãos, vivendo o amor como  opção de vida.

Uma vez conduzidos até ao lugar onde verificamos que os sinais que nos identificam a Jesus de Nazaré histórico, iluminados pela acção do Espirito Santo, alertam-nos para a Sua Ressurreição, «viu e acreditou», oferecem-nos, deste modo, um dinamismo interior que nos conduz à inevitável proclamação da verdade do Ressuscitado.

Perante a humanidade distraída ou entretida nas coisas que o mundo lhe vai oferecendo para disfarçar a verdadeira ânsia de comunhão com Deus e com os irmãos, somos enviados a anunciar a Jesus Cristo, o verdeiro Salvador, e n’Ele reconhecer o caminho que nos conduz à comunhão com Deus e a Boa Nova que orientará o mundo para a edificação de uma nova humanidade.

  1. Pedro, no discurso perante a multidão, tal como nos é apresentado na primeira leitura dos Actos dos Apóstolos, refere que «nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez». Assim deve ser a expressão de uma vida cristã fundamentada na Páscoa de Jesus Cristo e dinamizada pela Sua Ressurreição. Em cada tempo, a mesma experiência deve levar o discipulo de Jesus Cristo a anunciar e a testemunhar, sem medo, os factos salvíficos que uma vez vividos na comunhão com Cristo, lançam o desafio da alegria e da esperança ao mundo, à cultura e à sociedade de todos os tempos.

O Papa Francisco ao convidar-nos a percorrer os caminhos da santidade, focando a missão que nos toca viver a partir do chamamento de Jesus, realça que «esta missão tem o seu sentido pleno em Cristo e só se compreende a partir d’Ele». Aliás, «no fundo, a santidade é viver em união com Ele os mistérios da sua vida; consiste em associar-se duma maneira única e pessoal à morte e ressurreição do Senhor, em morrer e ressuscitar continuamente com Ele» (GE,20). E, acrescenta que «pode também envolver a reprodução na própria existência de diferentes aspectos da vida terrena de Jesus: a vida oculta, a vida comunitária, a proximidade aos últimos, a pobreza e outras manifestações da sua doação por amor» (GE, 20).

Daí que «a tua identificação com Cristo e os seus desígnios requer o compromisso de construíres, com Ele, este Reino de amor, justiça e paz para todos» (GE, 25). Aliás, «o próprio Cristo quer vivê-lo contigo em todos os esforços ou renúncias que isso implique e também nas alegrias e na fecundidade que te proporcione» (GE, 25). Como refere o Santo Padre, «não te santificarás sem te entregares de corpo e alma, dando o melhor de ti neste compromisso» (GE, 25).

Toda a Palavra que acabámos de escutar e que nos oferece a possibilidade de fazermos, hoje, a experiência do Ressuscitado, toda ela e sobretudo no relato do Evangelho, depara-nos com um dinamismo de comunicação. Ressalta o deslocar-se apressadamente, a correr, ver e narrar o que se viu e ainda a abertura para descobrir através dos sinais o que ele querem revelar.

Este dinamismo está permanentemente presente na vida da comunidade cristã. A Palavra que ilumina os sinais, os sacramentos, a interioridade, a comunidade reunida, os sinais dos tempos, continua hoje a fazer-nos descobrir a presença salvadora e redentora de Jesus de Nazaré e a tornar-nos participantes da Sua ressurreição.

Na verdade, «a primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais» (EG, 264).

Aliás, «não se pode perseverar numa evangelização cheia de ardor, se não se está convencido, por experiência própria, que não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não O conhecer, não é a mesma coisa caminhar com Ele ou caminhar tacteando, não é a mesma coisa poder escutá-Lo ou ignorar a sua Palavra, não é a mesma coisa poder contemplá-Lo, adorá-Lo, descansar n’Ele ou não o poder fazer» (EG 266).

Perante o paradoxo de estarmos a viver esta celebração festiva em isolamento e no resguardo pessoal e comunitário que esta epidemia nos exige, não deve esmorecer o desejo de caminharmos mais decididamente na edificação comunitária para, assim, testemunharmos a ressurreição de Jesus Cristo ao mundo de hoje.

Empenhados que estamos a oferecer um novo rosto às nossas comunidades cristãs, numa caminhada sinodal que nos desafia à participação activa através do lema «a beleza de caminharmos juntos em Cristo», a vivência da experiência da ressurreição é fundamental porque «a ressurreição de Jesus de Nazaré não é algo do passado». Muito pelo contrário, ela «contém uma força de vida que penetrou o mundo». Aliás, «onde parecia que tudo morreu, voltam a aparecer por todo o lado os rebentos da ressurreição». Na verdade, «é uma força sem igual» (EG, 276).

É com esta certeza e com esta alegria, que apresento a todos os diocesanos, na Região dos Açores e na diáspora, sobretudo aos grandes heróis desta epidemia, governantes, profissionais da saúde, protecção civil, forças de segurança, doentes e famílias, sacerdotes, diáconos, religiosos, leigos e os diversos serviços diocesanos, os meus votos de uma Santa Páscoa.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que se alegrou com a Ressurreição do Seu filho que abençoes todos os que sofrem a tribulação no corpo ou no espirito e nos faça caminhar pelas sendas da evangelização do mundo de hoje.

 

Amen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores