«Familia torna-te o que és»

No domingo a seguir ao natal, celebramos a festa da Sagrada Familia. Unir esta celebração com o Natal é dar-lhe a maior profundidade no significado e na identidade que a família pode ter.

Deste modo, a família, não só é querida por Deus que assim manifestou a Sua vontade no acto da criação, como quis que a Encarnação do Seu Filho acontecesse numa família. Estamos perante a identidade, a vocação e a missão da família na Igreja e no mundo.

Esta festa é uma ocasião propicia para proclamar o Evangelho da família perante tantas situações degradantes que afectam as famílias de hoje. Lucidamente importa discernir os Sinais dos Tempos de hoje pelos quais Deus nos está a interpelar para a necessidade de convocar as famílias para que sejam o que verdadeiramente são.

Daí o apelo a todas as famílias cristãs para que não tenham medo de testemunhar, apesar de todas as dificuldades, a alegria e a beleza do amor matrimonial e dos benefícios das relações familiares estáveis. Como em qualquer situação humana, também a família é chamada a crescer no amor, na generosidade e na entrega mútua para se tornar escola de valores essenciais para o desenvolvimento de cada pessoa e da sociedade.

Mas os tempos em que vivemos exigem de todos os homens e mulheres de boa vontade e de todos os que reconhecem o valor fundamental da família que profeticamente se denunciem os ataques que, vindos de determinados sectores culturais e ideológicos, procuram destrui-la.

Em nome da autodeterminação e liberdade individuais agride-se a identidade mais profunda do ser humano e consequentemente a família. Numa sociedade laicizada e numa cultura secularista e materialista, nas quais domina o poder económico e a pessoa fica à mercê do consumo, estrategicamente pretende-se destruir a família para que a pessoa se sinta como individuo sem segurança e sem orientação.

Por isso, é a hora de evangelizar a família, na família e pela família. Como afirma o Papa Francisco, há uma Boa Noticia para a família. Na verdade, «no mundo actual, aprecia-se também o testemunho dos cônjuges que não se limitam a perdurar no tempo, mas continuam a sustentar um projecto comum e conservam o afecto». Deste modo, abre-se «a porta a uma pastoral positiva, acolhedora, que torna possível um aprofundamento gradual das exigências do Evangelho» (AL, 38).

Partindo da pedagogia de Jesus Cristo o Papa exorta a um crescimento gradual na vivência da união matrimonial e desenvolvimento da vida familiar. Assim, «o “Evangelho da família nutre também as sementes ainda à espera de desenvolver-se e deve cuidar das árvores que perderam vitalidade e necessitam que não as transcurem”, de modo que, partindo do dom de Cristo no sacramento, “sejam conduzidas pacientemente mais além, chegando a um conhecimento mais rico e uma integração mais plena deste mistério na sua vida”» (AL 76).

Com o objectivo de evangelizar a família, urge que em cada paróquia se promova uma equipa de pastoral familiar que sensibilize a comunidade cristã, esteja atenta às necessidades das famílias e programe acções de ajuda às famílias para que estas vivam a sua vocação e executem bem a sua missão.

A Diocese conta com um serviço para a pastoral familiar que tem vindo a desempenhar um riquíssimo trabalho na promoção, na sensibilização e na ajuda às comunidades paroquiais para que estas possam desenvolver uma verdadeira pastoral familiar.

No programa pastoral para este ano dedicado à pastoral social, foi incorporada também a família porque a maior parte das problemáticas sociais que afectam as pessoas são vividas na família e acabam por limitar e mesmo condicionar o crescimento harmonioso dos laços familiares.

Esta é a hora de um novo vigor na evangelização da família. Oxalá a pastoral familiar proporcione uma experiência tal em que o Evangelho da família seja apreciado como «resposta às expectativas mais profundas da pessoa humana: a sua dignidade e plena realização na reciprocidade, na comunhão e na fecundidade» (AL201).

Como afirma o Santo Padre, «não se trata apenas de apresentar uma normativa, mas de propor valores, correspondendo à necessidade deles que se constata hoje, mesmo nos países mais secularizados» (AL, 201). Na verdade, no Sinodo dos bispos sobre a familia «sublinhou-se a necessidade duma evangelização que denuncie, com desassombro, os condicionalismos culturais, sociais, políticos e económicos, bem como o espaço excessivo dado à lógica do mercado, que impedem uma vida familiar autêntica, gerando discriminação, pobreza, exclusão e violência» (AL, 201).

Como resposta, «temos de entrar em diálogo e cooperação com as estruturas sociais, bem como encorajar e apoiar os leigos que se comprometem, como cristãos, no âmbito cultural e sociopolítico» (AL, 201).

A alegria da família é a alegria da Igreja, a construção de uma sociedade mais humana depende da salvaguarda das legitimas relações familiares e a promoção de uma cultura que respeite a dignidade humana e o bem comum depende da aprendizagem que no seio familiar adquirem e experimentam os membros da família.

Familia torna-te o que és!

 

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores