Sé Catedral. Angra.

         Na belíssima Carta aos Hebreus é-nos oferecida a imagem de Jesus Cristo o único e eterno sacerdote que de tal modo conhece a nossa vida que nos proporciona a possibilidade de nos aproximarmos d’Ele com confiança.

         Nós temos um sumo sacerdote que experimenta todas as nossas fragilidades e as nossas provações. Mais ainda, a todos aqueles que lhe obedecem deu-lhes a salvação eterna.

O caminho da cruz e da morte é o caminho de que Deus se serve para nos oferecer a salvação. Contudo é importante esta palavra «obedecer». Não estamos perante uma ordem á qual temos juridicamente de corresponder. Não, pelo contrário, estamos perante a vida de comunhão que no amor suscita a inter-relação entre a vida de Cristo e a vida de cada um dos seus irmãos. Trata-se de uma obediência de ser a ser, de comunicação de vida e de fidelidade ao projecto pelo qual Deus quer vir ao nosso encontro com prepósito de nos redimir e salvar.

A Paixão do Servo de Javé, segundo a linguagem de Isaias reveste-se de perplexidade porque o povo de Deus é chamado a ver como vai prosperar o Servo de Javé, «subirá, elevar-se-á e será grandemente enaltecido». Mas o espanto vem porque o seu aspecto mais parece um desfigurado e sem aspecto de homem, tal o seu sofrimento.

Desprezado por todos, mesmo pelos grandes das nações, ele transportava os nossos males. Porque «o castigo que nos salva caiu sobre ele, e por causa das suas chagas é que fomos curados».

Grande mistério este que se anuncia nas profecias e se concretiza em Jesus de Nazaré.

Ele é verdadeiramente loucura e escândalo, como afirma S. Paulo, mas importa penetrar na Sabedoria de Deus que nos é revelada através da Cruz e da morte do Seu Filho.

Não estamos perante o recordar de um acontecimento do passado, muito pelo contrário, estamos a celebrar o maior, o mais singular e inaudito acontecimento pelo qual nos vem a salvação, ontem, hoje e sempre.

É a partir desta Sabedoria divina que temos de integrar os males do nosso mundo, as chagas de tanta gente que sofre, a condenação de tantos inocentes, a morte provocada pelo egoísmo humano. Mas é perante este Cordeiro inocente, maltratado, desfigurado, arrancado da terra dos vivos que discernimos as atrocidades cometidas no mundo de hoje, os sinais de morte da nossa cultura e o desprezo pela vida humana em tantas decisões dos governantes do mundo.

Esta é a celebração onde o caminho de Deus e o caminho do homem se interligam. Por isso, Deus percorre o caminho do calvário e faz a experiência da morte na encarnação do Seu Filho.

Este é o caminho da paradoxal manifestação do amor de Deus pela humanidade. Neste percurso tão humano, a inteligência fica sem respostas se não se abre à verdadeira revelação de Deus feita em Jesus Cristo. E, a razão humana depara-se com algo de escandaloso se não se abre à relação confiante que só a partir da iniciativa de Deus que acolhe em Si mesmo todo o sofrimento humano e o introduz no caminho da Sua glorificação abre o sentido último da vida humana.

Como afirma S. João Paulo II, «no cenário do Getsémani e do Gólgota, a consciência humana de Jesus será submetida a dura prova; mas nem sequer o drama da sua paixão e morte conseguirá turbar a sua serena certeza de ser o Filho do Pai celeste» (NMI, 24).

Mas a partir desta dolorosa experiência, «a nossa contemplação do rosto de Cristo trouxe-nos até ao aspecto mais paradoxal do seu mistério, que se manifesta na hora extrema — a hora da Cruz» (NMI, 25). Na verdade, «mistério no mistério, diante do qual o ser humano pode apenas prostrar-se em adoração» (Ib.).

É tão profundo este mistério que jamais acabaremos de meditar no seu significado. Porque «o grito de Jesus na cruz não traduz a angústia dum desesperado, mas a oração do Filho que, por amor, oferece a sua vida ao Pai pela salvação de todos» (NMI, 26).

Recolhamo-nos no silêncio desta hora, meditando os passos reais e sofridos da Paixão do Senhor Jesus Cristo, unamo-nos a Ele e juntemo-nos a todos os irmãos que sofrem e que esperam pela redenção que este caminho opera, mas façamo-lo na esperança da ressurreição. A cruz e a morte de Jesus Cristo abre sempre para a Vida Nova que se manifestará no amanhã glorioso da nossa vida e da vida da comunidade cristã para irradiar de luz a vida do mundo.

Imploramos de Nossa Senhora, Mãe e rainha dos Açores, que acompanhou na dor a o Seu Filho até à morte e o contemplou no seu regaço, nos acolha a nós e a todos os que sofrem e nos indique o caminho da Vida Nova que brota da Cruz do Seu Filho.

Amen.

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores