Sé Catedral. Angra.

«Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de Se compadecer das nossas fraquezas. Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, excepto no pecado». Estas palavras que nos são dirigidas a partir do autor da Carta aos Hebreus sintetiza para nós hoje o significado da morte de Jesus de Nazaré.

Ele experimenta até ao limite as provações e os sofrimentos da humanidade de modo que nada do que de humano, trágico, perplexo e incompreensível para a inteligência da criatura está fora da Sua experiência.

Perante o absurdo do sofrimento e da morte, a primeira leitura, na profecia de Isaias exclama «à sua vista, muitos se encheram de espanto – tão desfigurado estava o seu rosto que tinha perdido toda a aparência de um ser humano –assim se hão-de encher de assombro muitas nações e, diante dele, os reis ficarão calados, porque hão-de ver o que nunca lhes tinham contado e observar o que nunca tinham ouvido». Está a delinear a figura do servo de Javé sobre o qual cairá toda a maldade.

Sabendo nós hoje que esta figura se realiza em Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, ainda mais assombro nos provoca e de sobremaneira se calam as palavras e impera o silêncio.

É imperioso no nosso tempo reconhecer a actualidade desta presença divina e desta descrição do servo de Deus entregue pela humanidade. A sociedade de hoje continua a contar com tanta gente desfigurada na sua dignidade de ser humano. Tantas dores, perplexidades, incompreensões, mortes, desesperos, fragilidades, guerras e injustiças a reclamar não só medidas que ajudem a aliviar o sofrimento mas a clamar pela presença de quem aprenda a amar o seu irmão assumindo a sua condição e oferecendo-lhe a realidade nova que só Deus poderá oferecer.

Há um mundo velho e antigo que deve morrer para renascer uma nova humanidade. É precisamente este objectivo que acompanha a história da humanidade e que encontra voz na história da salvação através dos profetas e que culmina com a atitude pessoal de Jesus de Nazaré que abre um novo mundo oferecendo-se na morte para alterar o mundo antigo e oferecer uma vida nova de comunhão com Deus e com os irmãos.

É esta palavra de esperança que está no inicio da leitura de Isaias quando diz que «vede como vai prosperar o meu servo: subirá, elevar-se-á, será exaltado».

Por sua vez o autor da Carta aos Hebreus convida à esperança quando sublinha que «vamos, portanto, cheios de confiança, ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno».

No silêncio, na contemplação e no assombro que esta hora nos provoca, deixemo-nos invadir pela presença do Espirito da verdadeira Sabedoria para podermos penetrar em profundidade neste mistério que diz respeito à revelação de Deus feita em Jesus de Nazaré, Seu Filho, mas que envolve também o sentido da nossa vida.

A Palavra de Deus, hoje, convida-nos a percorrer com Jesus Cristo o caminho da cruz e da entrega, caminho de amor e de redenção. Só poderemos penetrar nele com humildade e simplicidade, com confiança e abertura interior para aprendermos dAquele que percorre este caminho de salvação e sentirmos d’Ele o chamamento a morrermos para nós próprios para vivermos para Deus e para os irmãos.

Junto a Cristo encontramos tantas pessoas que hoje jazem mortas na sua dignidade à beira da história dos homens. Com olhar de sabedoria e de generosa entrega na missão de libertarmos os nossos irmãos que padecem as injustiças e as violências, a fome e a exclusão, a deportação e a solidão, percorremos este caminho que Jesus de Nazaré percorre que é o verdadeiro caminho onde se cruza a vida humana com a presença de Deus e no qual se descobre que o nosso semelhante é nosso irmão.

Este caminho da cruz que leva à morte do Filho de Deus é verdadeiramente a realidade que nos desafia nos nossos critérios, valores e opções, porque este é o único caminho que nos revela o verdadeiro Deus que se oferece totalmente pelas Suas criaturas.

Mas esta celebração projecta-nos na esperança da vida nova anunciada por Jesus Cristo que momentaneamente se esconde mas que por iniciativa divina desabrochará como nova criação que a todos nós nos atingirá e nos fará experimentar a vida que Deus nos quer oferecer desde toda a eternidade e que agora fica ao nosso alcance com a participação na morte de Cristo porque quem morre com Cristo também com Ele experimentará a ressurreição.

Imploramos de Nossa Senhora das Dores, Mãe e Rainha dos Açores que nos faça viver profundamente a entrega de Jesus Cristo, o Seu Filho, na Sua mote para também possamos saborear a alegria da ressurreição.

Amen

 

+João Lavrador, Bispo de Angra e Ilhas dos Açores