Cinco Ribeiras.

«Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamarmos filhos de Deus! E somo-lo de facto». Palavras que S. João dirige á sua comunidade cristã e que nos dirige hoje despertando, deste modo a nossa esperança e alegria de nos vermos envolvidos pelo amor misericordioso de Deus. A nossa relação com Deus não será outra que não seja a de um filho para com o Seu Pai.

Ao celebrarmos a Solenidade de todos os Santos é desta certeza que partimos. Somos filhos de Deus e, por isso, estamos a celebrar o amor, a ternura, a graça e a misericórdia que Deus nos oferece através do Seu Filho Jesus Cristo, com o Qual nos assemelhamos, e nos convida a vivê-l’O na comunidade cristã concreta onde nos situamos.

Porque a filiação divina fundamenta a nossa fraternidade, vivemos a experiência de partilha fraterna e do amor que se manifesta pelo encontro de irmãos no contexto da comunidade eclesial.

Mas a Palavra de Deus coloca-nos perante um futuro de esperança que na linguagem de S. João se projecta naquilo que ainda devemos ser quando Deus se manifestar totalmente e quando nós o virmos tal como Ele é. Eis a iniciativa de Deus descrita na primeira leitura que responde à multidão de eleitos que vêm de todas as partes da terra e que provocam a pergunta: «Esses que vestem as túnicas brancas quem são e donde vieram?» À qual se responde são os que vieram da grande tribulação, os que lavaram as túnicas e as branquearam o Sangue do Cordeiro».

Evoca-se deste modo a centralidade do Mistério Pascal de Jesus Cristo que convida a transformarmos a nossa existência mergulhando n’Ele e ressurgindo homens e mulheres novos.

É desta novidade iniciada no Baptismo, continuada na vivência dos diversos sacramentos, alimentada na Eucaristia, recuperada no sacramento da reconciliação e tornada missão na ordem e no matrimónio, fruto de uma conversão permanente que fundamenta a celebração desta solenidade.

Se S. João analisa o seu tempo e, tal como um verdadeiro profeta, sente a necessidade de encontrar em Jesus Cristo o modelo para oferecer aos cristãos da sua comunidade o alento para suportarem as invectivas do mundo, hoje, em tempos diferentes, mas com as mesmas vicissitudes e provocações, somos chamados a «branquear» a nossa vida no sangue do Cordeiro para não vacilarmos perante as dificuldades, perigos e atrocidades que são infringidos aos filhos de Deus.

Ser santos no contexto do mundo em que vivemos, acompanhados e alentados pelo testemunho daqueles que nos precederam e que já contemplam a glória de Deus, é o convite que nos é dirigido a subir com Jesus Cristo ao Monte e a aproximarmo-nos d’Ele para assumirmos critérios novos de conduta pessoal e comunitária.

Na verdade, enquanto que os critérios do mundo realçam o poder, a riqueza e a sensualidade, que conduzem ao individualismo, ao desprezo dos mais pobres, ao predomínio de uns contra os outros, à rivalidade, à violência e à guerra; pelo contrário, os critérios das Bem-aventuranças convidam a seguir a Jesus Cristo, a viver a comunhão com Deus e a manifestar-se em autêntica fraternidade de amor com os seus irmãos.

Trazendo á consciência de cada um e de toda a humanidade os grandes gemidos e angústias, inquietações e perguntas latentes na história da humanidade e que são descritas pelos pobres, os que choram, os humildes, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os obreiros da paz e os que sofrem  perseguição, manifestando-se como as vitimas para as quais a sociedade e os poderes do mundo não oferecem resposta, é-lhes dada a esperança que não se confina a este mundo e por isso o critério de felicidade é o Reino de Deus.

Este horizonte em nada retira a obrigação de estar no mundo e de trabalhar afincadamente pela transformação da sociedade e da cultura, muito pelo contrário, situados nas exigência do Reino de Deus e na acção permanente do Espirito de Deus, somos chamados a testemunhar a Boa Noticia de Jesus Cristo ao mundo e dar-lhe critérios novos que fermentarão no meio da sociedade e hão-de informar a cultura para a tornar mais humana.

Caros candidatos ao Ministério de Leitores. Vós sois para nós hoje a interpelação a colocarmos a nossa vida sob a iluminação permanente da Palavra de Deus da qual sereis dispensadores, mas antes sereis dela ouvintes, escutadores, dar-lhe-eis o espaço necessário na vossa vida para que Ela seja o vosso guia.

Assim o diz Paulo VI no Motu próprio com que ordena os novos ministérios ao sublinhar que «o Leitor é instituído para a função que lhe é própria, de ler a palavra de Deus nas assembleias litúrgicas. Por isso mesmo, na Missa e nas demais acções sagradas, será ele a fazer as leituras da Sagrada Escritura (com excepção, porém, do Evangelho); na falta do salmista, será ele a recitar o salmo entre as leituras; quando não houver diácono ou cantor, será ele a enunciar as intenções da oração universal; a dirigir o canto e a orientar a participação do povo fiel; a preparar os fiéis para a recepção digna dos Sacramentos».

E, acrescenta ainda realçando que «poderá, além disso, na medida em que for necessário, ocupar-se da preparação de outros fiéis que, por encargo temporário, devam ler a Sagrada Escritura nas acções litúrgicas. Para poder desempenhar-se destas funções, cada vez com maior aptidão e perfeição, procure meditar com assiduidade a Sagrada Escritura».

Termina dizendo que «o Leitor consciente da importância do ofício recebido, há-de ter o cuidado de aplicar-se e de lançar mão de todos os meios oportunos para alcançar mais plenamente e cada dia desenvolver o conhecimento e o suave e vivo amor da Sagrada Escritura, de modo a tornar-se um discípulo mais perfeito do Senhor».

Este é o ministério que se coloca no inicio de um itinerário de verdadeira integração e actuação comunitária. Exercitando bem este ministério de Leitor, o cristão vai progredindo no seu serviço ao Povo de Deus e na sua consciência de relação profunda com Jesus Cristo, Palavra Encarnada na história e na vida de todo o crente.

O forte convite que nos é lançado nesta solenidade, a ser santos como Deus é Santo, ou numa outra linguagem, a ser perfeitos como Pai do Céu é Perfeito, deve estar muito presente na vossa vida.

A Palavra de Deus está a servir a santidade pessoal e comunitária. A Igreja confia-vos hoje este serviço que deveis exercer com toda a diligência e competência.

Não poderia terminar sem repetir as palavras do Concilio Vaticano II sobre a vocação universal à santidade. Diz ele: «com efeito, Cristo, Filho de Deus, que é com o Pai e o Espírito ao único Santo,  amou a Igreja como esposa, entregou-Se por ela, para a santificar (…) Por isso, todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade» (LG, 39).

Em tempos de nova evangelização para a qual somos chamados exige-se o testemunho prioritário da santidade. Os grandes evangelizadores foram os que caminharam na santidade.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, «a cheia de Graça» e de santidade que abençoe os candidatos ao ministério de Leitores, todos os baptizados da nossa diocese e todos os que precisam dos gestos concretos da nossa partilha e proximidade.

Amen.

+João Lavrador

 Bispo de Angra e Ilhas dos Açores