Santuário da Esperança.

São João Paulo II, na Carta Apostólica «no inicio do novo milénio» fazendo eco da expressão «queríamos ver Jesus», pedido feito ao apóstolo Filipe por alguns gregos que tinham ido em peregrinação a Jerusalém por ocasião da Páscoa, refere que «como aqueles peregrinos de há dois mil anos os homens do nosso tempo, talvez sem se darem conta, pedem aos crentes de hoje não só que lhes “falem” de Cristo, mas também que de certa forma lh’O façam “ver”» (nº 16).

Perante esta exigência explicita ou implícita de todos os homens, o saudoso Papa questiona-nos com a seguinte interpelação: «e não é porventura a missão da Igreja reflectir a luz de Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o seu rosto também diante das gerações do novo milénio?»(nº 16).

Sim, nós fazemos parte da humanidade que tem necessidade de ver a Jesus Cristo. Se já fomos agraciados pela fé e já O conhecemos minimamente, perante o mistério de Jesus Cristo, ninguém se poderá gloriar de ter D’Ele uma plena compreensão e muito menos um seguimento total.

Convido a contemplarmos o rosto de Jesus de Nazaré e a partir da Sua imagem deixarmo-nos conduzir até ao Seu mistério. Ele verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Jesus de Nazaré o nosso Salvador e Redentor. Só n’Ele poderemos alcançar a salvação.

Perante as grandes perguntas que o ser humano coloca acerca de si mesmo e acerca de Deus, confrontados pelas ideias deformadas que a pessoa imersa na cultura actual manipuladora do humano e do divino projecta sobre a realidade que a envolve, desafiados pela permanente procura de sentido para a vida mesmo no meio de tanta indiferença, somos incentivados a percorrer os caminhos da contemplação a partir das Escrituras Sagradas.

Di-lo S. João Paulo II no texto citado do seguinte modo: «a contemplação do rosto de Cristo não pode inspirar-se senão àquilo que se diz d’Ele na Sagrada Escritura, que está, do princípio ao fim, permeada pelo seu mistério; este aparece obscuramente esboçado no Antigo Testamento e revelado plenamente no Novo, de tal maneira que S. Jerónimo afirma sem hesitar: “a ignorância das Escrituras é ignorância do próprio Cristo”». E ainda, «Permanecendo ancorados na Sagrada Escritura, abrimo-nos à acção do Espírito (cf. Jo 15,26), que está na origem dos seus livros, e simultaneamente ao testemunho dos Apóstolos (cf. Jo 15,27), que fizeram a experiência viva de Cristo, o Verbo da vida: viram-No com os seus olhos, escutaram-No com os seus ouvidos, tocaram-No com as suas mãos» (NMI, 17).

Contemplar a Jesus de Nazaré a partir das Escrituras é desafio urgente. Eis o caminho que todos deveremos empreender para respondermos à inquietação de vermos a Jesus.

Pela escuta da Palavra de Deus se chega à fé. Assim, «chega-nos uma visão de fé, sustentada por um testemunho histórico concreto» presente nos Evangelhos.

Os Evangelhos, não pretendendo ser uma biografia completa de Jesus, no entanto, «neles aparece, com fundamento histórico seguro, o rosto do Nazareno, visto que foi preocupação dos Evangelistas delineá-lo, recolhendo testemunhos fidedignos (cf. Lc 1,3) e trabalhando sobre documentos sujeitos a cuidadoso discernimento eclesial» (NMI, 18).

Mas porque a fé não nasce nem da carne nem do sangue nem da vontade do homem, no dizer da Escritura, mas por Dom de Deus, é Graça divina, reconhecemos «só a experiência do silêncio e da oração oferece o ambiente adequado para maturar e desenvolver-se um conhecimento mais verdadeiro, aderente e coerente daquele mistério cuja expressão culminante aparece na solene proclamação do evangelista João: “e o Verbo fez-Se carne e habitou no meio de nós; e nós vimos a glória d’Ele, glória que Lhe vem do Pai como a Filho único, cheio de graça e de verdade “ (Jo 1,14)» ( NMI, 20).

Jesus de Nazaré é verdadeiramente o Homem novo e n’Ele se contempla a nova criação tal como Deus a sonhou. Assim, «no mistério da encarnação encontram-se as bases para uma antropologia capaz de ultrapassar os seus próprios limites e contradições, caminhando para o próprio Deus, antes, para a meta da “divinização”, pela inserção em Cristo do homem resgatado, admitido à intimidade da vida trinitária» (NMI, 23).

Mas contemplar o rosto de Jesus de Nazaré perante a imagem do Senhor Santo Cristo é deslocarmo-nos até ao pretório onde se inicia o caminho doloroso de Cristo.

E assim a nossa contemplação do rosto de Cristo trouxe-nos até ao aspecto mais paradoxal do seu mistério, que se manifesta na hora extrema — a hora da Cruz. Mistério no mistério, como refere o texto citado, diante do qual o ser humano pode apenas prostrar-se em adoração.

Jamais acabaremos de contemplar a profundidade deste mistério. «Para transmitir ao homem o rosto do Pai, Jesus teve não apenas de assumir o rosto do homem, mas de tomar inclusivamente o “rosto” do pecado» (NMI, 25). Como diz o Apóstolo, «Aquele que não havia conhecido pecado, Deus O fez pecado por nós para que nos tornássemos n’Ele justiça de Deus » (2 Cor 5,21).

Mas esta contemplação exige que nos abramos à vitória de Jesus sobre o pecado, o sofrimento e sobre a morte, pela Sua Ressurreição.

A Igreja vive da ressurreição. Como refere S. João Paulo II, «agora é para Cristo ressuscitado que a Igreja olha».  E para nos ajudar neste caminho de encontro com a vida nova do ressuscitado, sublinha que ela realiza esta tarefa «seguindo os passos de Pedro que chorou por tê-Lo negado e retomou o seu caminho confessando, com compreensível tremor, o seu amor a Cristo: “Tu sabes que Te amo” (Jo 21,15-17)». E, ainda, «a Igreja fá-lo, seguindo Paulo que ficou fascinado por Ele depois de O ter encontrado no caminho de Damasco: “Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fil 1,21)».

E, o texto citado continua afirmando que «passados dois mil anos destes acontecimentos, a Igreja revive-os como se tivessem sucedido hoje». Assim, «no rosto de Cristo, ela — a Esposa — contempla o seu tesouro, a sua alegria. “Como é doce a recordação de Jesus, fonte de verdadeira alegria do coração!”. Confortada por esta experiência revigoradora, a Igreja retoma agora o seu caminho para anunciar Cristo ao mundo ao início do terceiro milénio: Ele “é o mesmo ontem, hoje e sempre” (Heb 13,8)» (NMI, 28).

Mas a contemplação do rosto de Cristo projecta-nos na missão de O testemunhar e anunciar. Eis a exigência missionária de todos e cada um dos cristãos.

A vida nova de Jesus Cristo é feita experiência concreta na comunidade cristã. Isto aconteceu nos primórdios do cristianismo, isto deve acontecer hoje. Sem a integração comunitária de cada baptizado não é possível saborear a riqueza e a profundidade do mistério de Cristo Vivo.

A comunidade cristã vive da Eucaristia. Na Ceia Pascal deparamo-nos com o verdadeiro Corpo de Cristo que uma vez comungado nos transforma em membros de uma comunidade que ela mesma é Corpo de Cristo no dizer de S. Paulo. Vós não sabeis que sois Corpo de Cristo e  que Cristo habita em vós! (Cfr.1Cor. 3, 16; 12,17). Habituemo-nos a contemplar o rosto de Cristo vivo na Sagrada Eucaristia.

Comunidade missionária e evangelizadora. Não só a missão faz parte inerente da nossa condição de discipulos de Cristo, mas também muitos dos nossos contemporâneos só poderão ter acesso a Jesus de Nazaré e contemplarem também eles o Seu rosto, se nós integrarmos uma comunidade missionária.

Não recusemos a exigência da missão que brota da contemplação de Jesus de Nazaré e nomeadamente da imagem do Santo Cristo que nos conduz até ao mistério de Jesus o Filho de Deus.

Fixados no rosto de Cristo e na certeza de que Ele vivo e ressuscitado continua presente na Sua Igreja, aceitemos o desafio a um novo impulso para a vida cristã, tanto pessoal como comunitária, e façamos eco da mesma inquietação de Pedro quando se questionava: que havemos de fazer?

Termino implorando de Nossa Senhora Mãe e Rainha dos Açores que abençoe as famílias, os trabalhadores e os desempregados, os doentes e idosos, os que vivem na diáspora e que se encontram em provação, as autoridades públicas e as nossas comunidades, as crianças, os jovens e que nos encaminhe pelas sendas da evangelização do mundo de hoje.

Amen.

+João Lavrador

Bispo de Angra e das Ilhas