Sé Catedral. Angra.

         Convocados pelo Papa Francisco, percorremos o itinerário do ano jubilar da misericórdia. Durante este percurso fomos penetrando mais no coração misericordioso de Deus e d’Ele fomos usufruindo das suas abundantes graças e bênçãos e aprendemos a agir junto dos nossos irmãos com o mesmo intuito de misericórdia.

         Serviram-nos de sinais, a porta santa, a peregrinação, a Palavra de Deus, o sacramento da reconciliação, a eucaristia, a partilha fraterna, a oração, nomeadamente as 24 horas para o Senhor, para alcançar a indulgência jubilar.

Foi um ano de graça para a Igreja e para cada um dos cristãos que se sentiram renovados nas fontes da misericórdia e puderam contemplar mais de perto o ser de Deus que rico de misericórdia nos atende com ternura e com bondade.

Ao aproximar-se o final do ano litúrgico a Palavra de Deus coloca-nos perante um conjunto de sinais que evidenciam a presença definitiva de Jesus Cristo como Senhor e Juiz da história. Mas, reparemos que o próprio Senhor Jesus não quis que eles fossem lidos como anunciadores de catástrofes do final dos tempos, mas sim de apelos ao arrependimento e convite à comunhão com Deus e com os irmãos.

Daí a advertência de Jesus dizendo «não vos deixeis desencaminhar». Eis o apelo para que não nos deixemos desviar do verdadeiro encontro com Jesus Cristo.

Nós não seguimos uma religião de medo ou de catástrofe, muito pelo contrário seguimos a Jesus Cristo que nos revelou o coração amoroso do Pai e que nos convida à esperança fundamentada no amor e à alegria.

Neste sentido, a Palavra de Deus ajuda-nos a ler as realidades circundante por muito negativas que sejam sob o sinal da esperança e ao mesmo tempo que exorta à coerência e à fidelidade mesmo no meio da provação afirma: «pela vossa constância é que haveis de salvar as vossas almas».

Na verdade, Jesus Cristo interpela-nos no tempo presente e sem rodeios de palavras oferece-nos as linhas de conduta para uma verdadeira relação com Deus que é a suprema verdade, o absoluto bem, o infinito amor, a plenitude da misericórdia, da bondade e da ternura.

Já a primeira leitura do profeta Miqueias ao referir-se ao poder purificador do fogo nos conduz até à acção do Espirito Santo que tudo transforma e renova. Daí a belíssima expressão com que nos quer brindar pela nossa comunhão com Deus: «mas para vós, que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo a salvação nos seus raios».

O sol da justiça é o próprio Verbo de Deus que nos traz a salvação pela sua vida, pela sua morte e ressurreição. Como se pode ler na Bula Misericordiae Vultus, «com o olhar fixo em Jesus e no seu rosto misericordioso, podemos individuar o amor da Santíssima Trindade. A missão, que Jesus recebeu do Pai, foi a de revelar o mistério do amor divino na sua plenitude. « Deus é amor » (1 Jo 4, 8.16)». E ainda, «agora este amor tornou-se visível e palpável em toda a vida de Jesus. A sua pessoa não é senão amor, um amor que se dá gratuitamente» (nº8).

S. Paulo tem a ousadia de dizer que se apresenta como modelo de apóstolo para ser imitado. Diz ele: «quisemos dar-nos a vós como exemplo, a fim de nos imitardes».

Apesar da nossa fragilidade e das nossas limitações, Jesus Cristo quer contar connosco para se tornar presente no meio do mundo. Por isso, são verdadeiramente eloquentes as palavras do Papa Francisco dizendo-nos que «precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação»(MV, 2). E, acrescenta, «há momentos em que somos chamados, de maneira ainda mais intensa, a fixar o olhar na misericórdia, para nos tornarmos nós mesmos sinal eficaz do agir do Pai»(MV, 3).

Porque temos necessidade da misericórdia do Pai e porque o mundo necessita de ser olhado com misericórdia, sentimo-nos agora mais conscientes e capazes de encetar uma evangelização norteada pela misericórdia.

Dirige-se a nós o Papa Francisco quando refere que «a Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa». E, acrescenta que «no nosso tempo, em que a Igreja está comprometida na nova evangelização, o tema da misericórdia exige ser reproposto com novo entusiasmo e uma acção pastoral renovada» (MV., 12).

Só deste modo a sua mensagem é credível se cada comunidade cristã e cada cristão viverem e testemunharem a misericórdia. Pela palavra e pelos gestos, os discípulos de Jesus Cristo devem penetrar no coração de cada pessoa e convidá-la a reencontrar-se com as fontes da misericórdia que nos vêem do Pai.

Ao convidar as diversas instituições e as pessoas que nelas trabalham que se dedicam às obras de misericórdia, quisemos realçar o muito que se faz, mas sobretudo o belo espirito de misericórdia com que se empenham no compromisso para com os mais excluídos e pobres da sociedade; e ainda renovarmos a nossa forma de ser e de actuar junto de Deus que em Jesus Cristo nos revela permanentemente o Seu rosto misericordioso.

A misericórdia dilata o coração e faz-nos mais atentos à dignidade de cada irmão a necessitar a nossa presença e colaboração.

Estamos ainda a iniciar o nosso ano pastoral que se norteia por dois objectivos principais: a renovação e valorização da piedade popular e a pastoral social. Uma oportunidade para dar continuidade às interpelações do Ano da Misericórdia.

Mais conscientes do olhar misericordioso de Deus sobre todas as suas criaturas projectamos uma visão mais serena mas também mais profunda sobre a nossa realidade social, sentindo de igual modo um ímpeto dentro de nós de caminharmos para junto dos mais necessitados para lhes oferecer pela palavra e pelos gestos a esperança que lhes falta.

Deste modo, «nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos – em suma, onde houver cristãos –, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de misericórdia» (MV, 12).

Numa sociedade na qual a pessoa é um número e tantas vezes descartável, sem o reconhecimento da sua dignidade e objecto das mais vis explorações, só com o olhar misericordioso de Jesus Cristo se sente a força para nos lançarmos na aventura de oferecer a Boa Nova da Misericórdia reconstruindo a pessoa e a sociedade.

Termino implorando de Nossa Senhora, Mãe da Misericórdia, Mãe e Rainha dos Açores, que abençoe a nossa diocese, as instituições que se dedicam às obras de misericórdia e todos os que se sentem excluídos da sociedade e que nos encaminhe pelas sendas da evangelização do mundo de hoje.

Amen

+João Lavrador

Bispo de Angra e Ilhas dos Açores