Sé Catedral, Angra.

 

«Todos nós, que fomos baptizados em Jesus Cristo, fomos baptizados na Sua morte. Sepultámo-nos com Ele, pelo baptismo, na morte, e assim como Cristo ressuscitou dos mortos, por meio da glória do Pai, também nós caminharemos numa vida nova».

S. Paulo convida-nos a celebrarmos a ressurreição de Jesus Cristo a partir da experiência profunda da vida nova que o baptismo realizou em cada um de nós.

Seguindo as palavras do Papa emérito Bento XVI (homilia da Vigilia Pascal 2008) no Baptismo, o Senhor entra na nossa vida pela porta do nosso coração. Diz ele «já não estamos um ao lado do outro ou um contra o outro. Ele atravessa todas estas portas».

A realidade do Baptismo consiste nisto: Ele, o Ressuscitado, vem; vem até nós e une a sua vida com a nossa conservando-nos dentro do fogo vivo do seu amor. Passamos a ser uma unidade: sim, um só com Ele e, deste modo, um só entre nós. Como ele próprio sublinha, «num primeiro momento, isto pode parecer bastante teórico e pouco realista». Mas quanto mais vivermos a vida de baptizados, tanto mais poderemos experimentar a verdade desta palavra.

Porque, «as pessoas baptizadas e crentes nunca são verdadeiramente estranhas uma à outra. Podem separar-nos continentes, culturas, estruturas sociais ou mesmo distâncias históricas. Mas, quando nos encontramos, reconhecemo-nos com base no mesmo Senhor, na mesma fé, na mesma esperança e no mesmo amor, que nos formam. Então experimentamos que o fundamento das nossas vidas é o mesmo. Sentimos que, no mais fundo do nosso íntimo, estamos ancorados à mesma identidade, a partir da qual todas as diferenças exteriores, por maiores que sejam, resultam secundárias».

Verdadeiramente, «os crentes nunca são totalmente estranhos um ao outro. Estamos em comunhão por causa da nossa identidade mais profunda: Cristo em nós. Deste modo, a fé é uma força de paz e reconciliação no mundo: fica superada a distância, no Senhor tornamo-nos próximos».

Nesta noite em que celebramos a Ressurreição de Jesus Cristo é-nos oferecido o significado pleno de toda a história da Salvação. A liturgia da Palavra que percorre os grandes passos da história do Povo Biblico introduz-nos nesta grande caminhada que tem em Jesus Ressuscitado a luz própria para a sua compreensão.

Desde a narração da criação, passando pela grande experiência do êxodo e deparando-nos com a exortação profética á vida que brota de Deus e que domina todo o pecado, situamo-nos na vivência da ressurreição que nos é oferecida pela narração evangélica mas sobretudo nos faz entrar nela pelo baptismo.

Também nesta noite nos é dito o mesmo que foi anunciado aquelas mulheres que procuravam a Jesus morto no sepulcro. «Por que motivo procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui; ressuscitou!».

A humanidade e porventura alguns de nós, continua a procurar Jesus Cristo tão só morto. Jesus Cristo não é uma figura do passado, muito pelo contrário, Ele é do presente e projecta-nos para o futuro sempre novo. Ele é o Vivente que nos retira dos nossos medos e das nossas ilusões e nos convida a partilhar da Sua vida nova.

Sem dúvida que só pela força do encontro com o Ressuscitado se revigora a verdadeira fé que se traduz na relação de entrega comunitária e no despertar interior para a situação da Igreja e do mundo, não para se sentir de fora observando desinteressadamente o desenrolar dos acontecimentos tão repetitivos e desumanizantes, mas com a coragem de quem os enfrenta e se entrega na renovação da comunidade cristã e do mundo

Por isso é urgente criarmos as condições para fazer a experiência da ressurreição de Jesus Cristo.

As condições partem logo de inicio por dar lugar à acção do Espirito Santo. Tão só Ele poderá projectar luz sobre os sinais que a partir da morte manifestam que Jesus já não está ali. A ressurreição é vivida e experimentada sob a luz que o Espirito Santo realiza no crente.

Porque só à luz do Espirito Santo podemos relembrar e retirar todo o significado às palavras anteriormente ditas por Jesus Cristo. Ele tinha afirmado por várias vezes «o Filho do Homem tem de ser entregue nas mãos dos pecadores, tem de ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia».

Mas o Evangelho apresenta-nos ainda uma outra condição ao afirmar que aquelas mulheres foram ao encontro dos discipulos para lhes contarem o que lhes tinha acontecido. É algo a que devemos dar muita importância porque normalmente não lha atribuímos: a narração do que aconteceu no encontro com Jesus Ressuscitado.

Sem este narrar aos outros o que foi o encontro pessoal com Jesus Cristo não faremos experiência de vida nova. Daqui se intui a necessidade da vida comunitária. Só na comunidade poderemos fazer a experiência da vida do ressuscitado.

Daqui brota o sentido missionário imprescindível para quem quiser fazer a verdadeira experiência de Jesus Vivo e ressuscitado.

Teremos de nos perguntar, se a falta de vitalidade da nossa fé cristã que se projecta em falta de vitalidade na vida da Igreja não terá aqui a sua causa?

Esta é a vigilia do amor na qual somos convidados a entrar no mistério mais profundo do amor de Deus pela humanidade ressuscitando o Seu Filho.

Para entrar no mistério exige-se capacidade de estupefacção, de contemplação; requer enfrentarmos com coragem a nossa realidade, não nos fecharmos em nós mesmos, não fugirmos perante aquilo que não entendemos, não cerrarmos os olhos diante dos problemas, não os negarmos, não eliminarmos as questões…; obriga-nos, isso sim, a sair das nossas seguranças e indiferenças que nos paralisam e colocarmo-nos no árduo caminho da procura da verdade, da beleza e do amor, buscar um sentido novo, nem sempre óbvio, uma resposta que não seja banal e superficial para as questões que põem em crise a nossa fé, a nossa lealdade e nossa razão; exige-se humildade para nos aceitarmos como realmente somos. Por isso, é preciso este abaixamento que é humildade, esvaziamento das próprias idolatrias, para nos prostrarmos em adoração. Sem adorar, não se pode entrar no mistério.

Tal como nos afirma o Papa Francisco tudo isto nos ensinam as mulheres discípulas de Jesus. Dado que elas estiveram de vigia naquela noite, juntamente com Maria de Nazaré, a Virgem Mãe ajudou-as a não perderem a fé nem a esperança.

Pela experiência da ressurreição, «não ficaram prisioneiras do medo e da angústia, mas às primeiras luzes da aurora saíram, levando na mão os seus perfumes e com o coração perfumado de amor. Saíram e encontraram o sepulcro aberto. E entraram. Vigiaram, saíram e entraram no Mistério» (homilia da Vigilia pascal 2015).

Para nós hoje, fica-nos a determinação de aprendermos com elas a vigiar com Deus e com Maria, nossa Mãe, para entrar no Mistério que nos faz passar da morte à vida.

Por isso, imploramos a Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores que hoje se alegra com a ressurreição do Seu Filho que nos abençoe , particularmente aqueles que necessitam de gestos concretos de esperança, os pobres e marginalizados, os que vivem na diáspora e os desempregados, os doentes e os idosos, e nos ensine a descobrir a ressurreição de Jesus Cristo e a testemunhá-la com coragem e alegria no nosso mundo.

Amen.

 

+João Lavrador

Bispo de Angra