Sé Catedral, Angra.

 

«Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas; temos um que possui a experiência de todas as provações, tal como nós, com excepção do pecado». Com estas palavras da Carta aos Hebreus que escutámos, o autor sagrado sintetiza para nós o mistério de Jesus Cristo, que no seu sofrimento e na sua morte abre para a humanidade uma vida nova pela sua ressurreição.

Na obediência ao Pai, Jesus Cristo responde à descrição que o profeta Isaias faz do servo sofredor. Na verdade, sem a presença redentora de Jesus Cristo na história dos homens, a descrição dos traços do servo de Javé ficariam sem uma aplicação concreta e o ser humano vitima do pecado continuaria sem esperança da sua libertação.

Para Isaias aquele que vier libertar o seu Povo só poderá ser enviado por Deus, todos terão posto n’Ele o olhar; apesar de que Ele «subirá, elevar-se-á e será grandemente enaltecido» o espanto é tão grande porque o que o olhar humano contempla é um homem sofredor de tal forma que tinha perdido todo o aspecto de homem. Desfigurado como estava, todos os povos e nações se calarão de espanto porque nada neste servo cativará o olhar.

«Foi arrancado da terra dos vivos, e atingido mortalmente pelos pecados do seu povo» diz-nos o profeta. Deste modo, contemplamos a morte de Cristo como abraçando a vida das suas criaturas. Arranca do interior da humanidade, congrega em si todos os males que atinge o homem integrado em todas as culturas, raças e credos e transforma-os a partir de dentro pela morte que se transformará em remédio para o pecado que atinge toda a pessoa.

A morte de Cristo só adquire o seu pleno significado à luz da ressurreição. Por isso, quando contemplamos a Cristo morto, exige-se em nós a expectativa de quem confia na Sua Palavra que afirma que ao terceiro dia ressuscitará.

Só neste mistério nos compreendemos, na grandeza dos nossos sonhos e projectos, mas também na miséria do nosso pecado e do mal que nos atinge. A morte não é o fim mas tão só a transformação para uma vida plena e total na ressurreição.

Em Cristo sofredor, esmagado pela dor e desfigurado, reconhecemos a situação de tantos irmãos nossos vitimas da nossa sociedade. As imagens entram-nos todos os dias pela nossa casa vindas de cenários de guerra, de terrorismo e muitos outros atentados à vida, de vastas zonas de fome, da exploração do ser humano; mas encontramo-las muito perto de nós, na nossa rua, na nossa vizinhança, provavelmente até na nossa família. A exclusão social, cultural, económica e religiosa, desfiguram a dignidade do ser humano.

Tenhamos a coragem de nos colocarmos junto à cruz de Cristo mas levemos connosco não só a necessidade de salvação em nós próprios, mas façamo-nos acompanhar por esta decisão firme de tudo fazer para nos colocarmos ao serviço dos mais excluídos e desfigurados do nosso mundo. Este é o lugar próprio para nos projectarmos na vida nova que brota da entrega de Jesus Cristo.

Como nos dizia o Papa Francisco no México, há poucos dias, «estamos a celebrar a certeza de que “o Criador não nos abandona, nunca recua no seu projecto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado” (LS, 13). Celebramos o facto de que Jesus Cristo continua a morrer e ressuscitar em cada gesto que temos para com o menor de nossos irmãos. Animemo-nos a continuar a ser testemunhas da sua Paixão, da sua Ressurreição, encarnando a sabedoria do salmo que nos canta “a lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma”».

Neste ano dedicado a aprofundar a misericórdia de Deus para connosco, temos de contemplar mais a sério o rosto misericordioso de Jesus Cristo que tem uma das suas manifestações mais evidentes na sua morte. Ele morre por amor, é a doacção total de Si mesmo, neste rosto desfigurado pelo sofrimento vislumbramos o rosto misericordioso do Pai.

Ao referir-se ao Salmo 136 que afirma que «eterna é a Sua misericórdia, no texto da Bula para o ano da misericórdia diz-se que «antes da Paixão, Jesus rezou ao Pai com este Salmo da misericórdia. Assim o atesta o evangelista Mateus quando afirma que “ depois de cantarem os salmos” (26, 30), Jesus e os discípulos saíram para o Monte das Oliveiras». Assim «enquanto instituía a Eucaristia, como memorial perpétuo d’Ele e da sua Páscoa, Jesus colocava simbolicamente este acto supremo da Revelação sob a luz da misericórdia». E, ainda «no mesmo horizonte da misericórdia, viveu Ele a sua paixão e morte, ciente do grande mistério de amor que se realizaria na cruz».

Como afirma o papa Francisco «o facto de saber que o próprio Jesus rezou com este Salmo torna-o, para nós cristãos, ainda mais importante e compromete-nos a assumir o refrão na nossa oração de louvor diária: “eterna é a sua misericórdia”» (MV, 7).

Contemplando a cruz de Jesus Cristo nasce uma nova Sabedoria que nos envolve numa renovada compreensão e compromisso perante o sofrimento, o mal e a morte; ela é a força de Deus, ela será a nossa força enquanto discípulos de Jesus Cristo; ela é fonte de vida. Por isso, contemplamos na árvore da cruz o florir de uma nova vida que nos é dada pela Ressurreição de Cristo.

Imploremos de Nossa Senhora da Dores que junto á Cruz interioriza todo o sofrimento redentor do Seu Filho que nos alcance as graças da Morte de Cristo e nos faça comprometer no levar a vida onde encontrarmos os sinais da morte.

Amen.

 

+João Lavrador

Bispo de Angra e Ilhas