Eucaristia da Meia Noite na Matriz de Ponta Delgada 2015

«Manifestou-se a graça de Deus, que traz a salvação para todos os homens». Deste modo, S. Paulo dirigindo-se a Tito, seu companheiro de missão, revelava o mistério de Cristo na Sua relação com cada pessoa.

Esta é sem dúvida a maior de todas interpelações que a celebração desta noite nos coloca a nós, comunidade cristã, e a toda a humanidade.

Na verdade manifestou-se a graça de Deus e a partir desta mesma revelação abre-se uma luz nova para toda a pessoa qualquer que seja a sua condição ou situação.

Por isso, estamos perante a concretização histórica e a resposta permanente aos grandes anseios da criação. Já na primeira leitura, o Profeta Isaias dirigindo-se ao seu povo convidava-o à confiança e à alegria. Povo sofredor, abandonado e deportado, mas para o qual agora se abre uma grande luz. E o fundamento para esta alegria está no facto de «um Menino nasceu para nós, um filho nos ser dado».

Este menino é descrito no Evangelho como «o filho primogénito» de Maria de Nazaré que acompanhada com José se tinham dirigido a Belém para cumprir os seus deveres de cidadãos.

O quadro bíblico do nascimento de Jesus localiza-o no tempo, nas exigências de cidadania, inserido numa cultura e numa sociedade concretas. É neste contexto que é anunciada a Boa Noticia do Seu nascimento.

O anuncio desta novidade começa pelos que estão mais próximos. Por isso, diz o Evangelho que «na mesma região, havia pastores» e a eles se dirigiu o Anjo para lhes comunicar que «nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é o messias Senhor».

Mas o mesmo Anjo dizia-lhes que lhes vinha trazer uma boa nova que «será grande alegria para todo o povo». Assim, se a proclamação desta grande novidade começa pelos que estão mais próximos, ela terá de atingir toda a humanidade porque toda a criatura, de todos os tempos e de todas as culturas, anseia pela manifestação da graça de Deus, a qual sabemos hoje nos é oferecida em Jesus Cristo que nasce criança na gruta de Belém.

Mas o Evangelho não deixa de nos exortar perante as condições para podermos reconhecer que aquele Menino é verdadeiramente o Filho de Deus que a humanidade procura. Descreve, então, que «achareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura».

Só a partir da humildade, da pobreza interior, da simplicidade de coração se poderá estar preparado para descobrir na humanidade a divindade de Deus que quis encarnar na história dos homens.

Celebramos este natal no meio de tantas angústias, perplexidades e indiferenças; mas também em pleno ano da misericórdia, com o qual o Santo Padre nos convida a fazer a experiência maravilhosa da misericórdia divina e a traduzi-la na nossa acção para com os outros nossos irmãos, sobretudo os que mais sofrem.

Na Bula da proclamação do ano da misericórdia, o Papa Francisco começa por dizer que «Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai». E ainda, «o mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese», porque tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré. Assim, «com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré revela a misericórdia de Deus».

Contemplando a Jesus de Nazaré deitado na manjedoura somos iluminados pela expressão do Papa que nos diz que «agora este amor tornou-se visível e palpável em toda a vida de Jesus». E, continua sublinhando que «a sua pessoa não é senão amor, um amor que se dá gratuitamente». E, ainda que, «o seu relacionamento com as pessoas, que se abeiram d’Ele, manifesta algo de único e irrepetível». Descobrimos neste local, quer «os sinais que realiza, sobretudo para com os pecadores, as pessoas pobres, marginalizadas, doentes e atribuladas, decorrem sob o signo da misericórdia». Em síntese, «tudo n’Ele fala de misericórdia. N’Ele, nada há que seja desprovido de compaixão».

Mas celebramos também este Natal no contexto dramático da nossa história, caracterizada por tantos conflitos, injustiças, marginalização e franjas da humanidade nas periferias da dignidade humana. Perante estas situações, para que Cristo se torne presente, exige compromisso concreto da nossa parte.

Se a encarnação do Verbo de Deus é uma contínua interpelação à Igreja porque como nos diz o Concilio «a luz dos povos é Cristo: por isso, refere a Lumen Gentium, o Concilio reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15)» (LG, 1); e, apresenta a Igreja como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano»; é também um desafio a toda a humanidade.

Jesus de Nazaré nasce na nossa humanidade para atingir a inteligência e o coração de cada pessoa e deste modo responder plenamente às eternas perguntas sobre o sentido da vida presente e futura e à relação entre ambas.

Mas interpela também a que a misericórdia vivida na comunidade cristã seja testemunho para que a relação entre os povos, entre as pessoas, as instâncias de poder e os locais da investigação sejam envolvidos pela misericórdia.

Se Deus nos olha e trata com misericórdia, então, esta realidade tem de ser fundamento de todo o pensamento e de toda a acção humana.

Privilegiar os mais pobres, mesmos nas opções dos poderes públicos, deslocar-se até á periferias existenciais ou dar prioridade aos que se sentem marginalizados cultural, social ou religiosamente, torna-se um imperativo que brota da humanidade vivificada pela presença do Verbo de Deus.

Não temais! Alertava o Anjo aos pastores perante tão grande e inaudita Boa Nova. É a mesma exortação que ressoa nesta noite para toda a Igreja e para todos os homens deste tempo: Não temais!

Porque o que hoje acontece no nosso mundo é belo e importante para todas as criaturas. Jesus o Filho de Deus nasce.

Eis o apelo que hoje ressoa perante uma cultura cheia de medos: não temais aproximar-vos de Jesus de Nazaré porque Ele é Luz para a inteligência e sentido para a existência; porque Ele nos acolhe com compaixão e com amor; porque Ele vem para redimir e salvar.

Termino desejando a todos os diocesanos dos Açores, os que estão no nosso território e os estão na diáspora, sobretudo os mais pobres e os que padecem, e a todos os que anseiam pela vinda de Jesus Cristo, um santo e feliz Natal.

Que Nossa Senhora, Mãe de Jesus e Nossa Mãe, junto do presépio nos abençoe e nos ajude a contemplar o rosto de Deus no Seu Filho que hoje nasce na gruta, pobre e humilde do nosso mundo.

 

+ João Lavrador

Bispo Coadjutor de Angra